ZONA DE IMPACTO
ISSN 1982-9108 ab irato
Vol. 11, Ano XI, junho, 2008
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fragmentos sobre vida e morte
alberto lins caldas
Departamento de História – UFRO
Centro de Hermenêutica do Presente
www. albertolinscaldas.unir.br
albertolinscaldas@yahoo.com.br
*. não se nasce: nascer é discurso assumido por uma fala em busca de origem, de justificativa, sempre dentro de lógicas metafísicas, históricas, mitológicas, produtivas. nascer equivale ao “início do investimento”: a saco energético produtivo-reprodutivo “deu certo”: discurso q camufla os amarramentos q formam o saco de energias (o indivíduo, o sujeito, a besta de carga, o reprodutor, a pessoa, o eu, o produtor, o servo, o trabalhador) e suas funções, lugares, permissões, território, negações, participações e não participações, indentidades, sexos, cores, poderes, direitos, deveres, proibições, limites: a origem é a marca, a ferradura, o pertencimento.
*. não se morre: o “ser-para-a-morte” de algumas filosofias, ou a morte como “conseqüência da vida”, a morte orgânica, morte cerebral, morte-em-vida, esconde q nenhum dos sacos de energia morre pra si: a morte não é jamais um “problema pessoal”: mas algo-tornado-pessoal, corporal. essa analogia com sacos de energia q apagam, morrem, ofusca q a morte não é “constitutiva” nem existente: pra existir o mundo (a máquina tribal universalizada e naturalizada) teria q “ser”, teria q ser natural, orgânico e, por extensão, histórico, temporal, social (et cetera), o q seria continuar transpondo as teoria, as interpretações, as justificativas, os mecanismos de poder, as camuflagens da máquina tribal, pra uma “existência”, tornando sua funcionalidade viciosa em “realidade”, em imediato: faz parte da máquina tribal criar e manter discursos sobre a morte não porq ela seja uma existência, um incômodo, uma lógica da vida, um fim da vida (estranhamente não é começo nem fim), mas porq assim se mantém a vida em sua operacionalidade (os imaginários da morte laboram ritualmente como verdades e realidades por serem úteis): o horror da morte garante a persistência de sacos de vida, a funcionalidade integrada e a realização das mais secretas coisas expostas da máquina tribal (típica “máquina de explosão”: não existe sem guerras, revoluções, revoltas, crises: o horror não é destacável ou superável): se vive apenas pra se produzir nas produções. morrer inter-fere as produções, a não ser q a morte seja re-querida pra essas mesmas produções: não há liberdade nem pra se nascer nem pra morrer: não se escolhe nascer ou morrer: não há morte nem nascimento por acaso: ninguém faz falta nem falta.
*. não se tem medo-de-morrer: se afastar da repetibilidade, dos rituais q criam o existente, o viver, o único viver, geram nos sacos de energia dores, terrores, depressões: não poderão mais continuar servindo, reproduzindo, formatando: temem q a fábrica feche, q o negócio desande (triste ilusão: o capital flui sem trabalhadores: sacos de energia murchos, secos, gastos, descartáveis, reciclados): mas a fábrica precisa desse medo, dessa angústia: tudo isso são energias necessárias: são seivas vitais da mesma maneira q todos os prazeres, felicidades, realizações.
*. a formatação são forças ritualizadas, codificadas, em rede [q incidem profunda, minuciosa e laboriosamente sobre os devires q jorram em caos dos sacos de energia (filhotes)], q inscrevem o corpo [não sobre o corpo, q não nasce, não existe enquanto corpo, mas se fará entre esses poderes, essas forças formatadoras] e tornará esses devires caóticos em corpo, corpo orgânico, corpo social, corpo histórico, corpo político, corpo sexualizado, corpo protocolar: o corpo é o amarramento feliz das forças cruas dos devires caóticos por forças inscritivas, amarrativas, integrativas : criam o ser-social pras suas funções: como não há o corpo universal e natural, corpo é uma malha multidimensional de marcas, ferraduras, impressões, códigos, memórias q, depois de im-postas, se tornam autônomas, criam a autonomia re-querida, se auto-impondo enquanto máquina auto-regulada, q toma conta da sua vida (produz reproduz “sem ninguém mandar”): nascer e morrer faz parte das inscrições, discursos, marcas disso q é o corpo: ele é construído pra funcionar assim, pra crer no q deve crer: essas crenças são práticas, são forças integradas.
*. toda prática e toda teoria q tem a vida como princípio esconde um mecanismo simples: salvar vidas, conservar vidas, manter vidas, defender vidas: valorar a vida tem uma função estratégica e tática, serve pralguma coisa (antes de significar ele serve de algo, serve a algo: ele significa pra servir: é teórico pra ser prático): valorar positivamente e salvar pra trabalhar, se reproduzir, consumir, servir: a escravidão, a exploração, as produções: vida q não trabalha, não se reproduz, não consome, não serve, não é a vida defendida (ou é forçosamente defendida: por extrapolações forçadas: a significação, nesse momento, parece ser essencial: a teoria supera a prática, o sentimento supera o operacional) por medicinas, filosofias, morais, políticas, educações.
*. toda vida perigosa pra manada não é respeitada, mas eliminada, torcida até servir, silenciada até aceitar. a máquina tribal (ocidentalidade) precisa apenas de vida dócil (ou vida indócil é gerada e insuflada por vários meios quando “necessário”, no mínimo pra ficar como “exército indócil de reserva”). morrer, se matar, matar é um crime (mas profundamente re-querido e indispensável) por poder afetar, antes de tudo, as produções, os consumos, as servidões (mas jamais os afeta real e essencialmente): todas as razões religiosas, éticas, jurídicas, médicas, são apenas ofuscamentos da máquina tribal escondendo com filosofias, leis e religiões o inútil gasto, o desperdício (sempre assimilável, gerando depois sempre mais energia): a idéia vida é noção nazista, tipicamente cristã-capitalista: mantemos, cuidamos, protegemos, curamos, alimentamos, educamos – pra q isso produza as produções, produza os consumos, produza as reproduções, e sirva: a máquina tribal faz e “sempre” fez o elogio profundo da vida, a prática radical da vida, reflexão necessária da vida pra salvaguardar os poderes, as forças necessárias da máquina tribal: mesmo as mitologias da morte, os exemplos de sacrifício, o sofrimento, as punições são elementos da noção operativa de vida.
*. até a morte, sendo sempre dominada, controlada, hierarquizada, disciplinada (assim como a vida, q não passa de formas de controle: e as formas de controle são as formas), faz parte da máquina tribal como mecanismo de controle, metabolismo, revigoramento, potência. e tudo q ronda a morte (como guerras, suicídios, misérias, explorações, genocídios, segregações), são partes constitutivas, imprescindíveis, da máquina tribal: é regendo a morte q a vida servil se torna o principal eixo de preocupação de práticas, de procedimentos, de produções, de teorizações: a vida é o saco de energia (individualizado) q possibilita todo o grande saco de energia (a máquina tribal) produzir as produções.
*. o suporte fantasmático das idéias de natureza, deus, sociedade, homem, humanidade, educação, felicidade, prazer, liberdade, amor, desejo, relacionamentos, diálogo, justiça, consumo, história – é a vida como saco de forças protegido por tudo pra produzir, reproduzir e servir. tudo gira pra proteger, justificar, reproduzir, e esconder (numa repetibilidade nauseante e circular), as razões operacionais desse saco de energias pra esse grande saco de energias, q pode inclusive dispor de muitos desses pequenos sacos, sem afetar nada desse grande saco (o grande saco pode dispor eliminar, excluir, abandona, desviar, despojar, expulsar sem q isso inter-fira no seu funcionamento: esse funcionamento precisa, inclusive, de todas essas formas perversas, esquizóides, histéricas, narcísicas, anais, tornadas disfunções, desvios monstruosos: a máquina tribal secreta a normalidade).
*. sobre a idéia de vida se construíram e se constroem, e se mantém todos os ofuscamentos (religiões, filosofias, ciências, sensos comuns): e dar “vida aos mortos” (o equivalente ao dar-vida, formando trabalhadores-reprodutores) também é re-querido pela máquina tribal: pra isso foram criados discursos, disciplinas, ciências de todos os tipos (memória, História, arquivo, tradição).
*. os discursos pra manter a vida na “servidão medieval” eram insuficientes pro “mundo do capital”. os novos discursos, as novas práticas fundaram a vida em outros princípios, razões, interpretações e leis, mas a função continuou a mesma: garantir a atividade produtiva do saco de energia, agora saco orgânico, saco econômico, saco histórico, saco de força: interpretar é esconder, é pôr na ordem-do-existente (o imediato) o q se encontra apenas na ordem da teoria, e esconder isso: o teórico parece prático, mas só parece.
*. os predadores fazem parte das manadas: não são espécies distintas e autônomas: o leão é uma forma de zebra, a anta é uma forma de onça, o capitalista é uma forma de operário, um latifundiário é uma forma de camponês: a máquina tribal gera o jogo perverso das várias formas como se fossem formas diferentes e faz a diferença se tornar tão diferente q além de parecer parece se tornar: e as dicotomias se aliam a outras forças q fazem a máquina tribal funcional. sem esses atritos parte das forças seriam comprometidas.
*. a máquina tribal – sem dicotomias, colisões, embates, contestações, resistências, oposições, contradições múltiplas, crises, revoltas, revoluções, guerras, sem inimigos, sem alteridades internas e externas, sem marxismos, anarquismos, terrorismos, revoltas, discordâncias, emperramentos, exigências de todos os tipos, lutas diuturnas “contra o sistema” (sem uma tectônica dos elementos) – não “funciona bem” nem “evolui”, não desenferruja nem se azeita. todas as “alteridades ameaçadoras” são energias pra máquina tribal nesses últimos séculos: elas são criadas, reproduzidas, alimentadas, fortalecidas e incorporadas o tempo inteiro.
*. o saco de energias q jorra dos corpos (saco de devires crus) é formatado por rituais, disciplinamentos, imaginários – quando essas forças disciplinares, esses poderes q dão sentido porq criaram o corpo e mantém o existente, desaparecem, deixam de significar, de poder, - ?q resta: sem um substrato natural, social, humano (metafísicas), existente sem essas forças formativas, sem esses poderes de crença e poder, sem essas forças criadoras do existente – !nada: antes, depois, dentro – se não somos mais do q o ser das forças q faz esse ser – as idéias forças q forçam isso a ser e continuar-sendo: essas funcionalidades tribais, esses jogos – sem origens e metas, sem razões – saco de energia formatado operacionalmente pra produzir produções, servir – onde toda liberdade, toda autonomia, toda vontade, toda consciência, todo saber, não passa de condições de operacionalidade, de organograma, pra máquina tribal – onde e quando nem se matar deixa de fazer parte – viver ou morrer, estar vivo ou morto, ter vivido ou não nascido – o imediato torna tudo um criar, descriar, profusão sem profundidade: onde qualquer “transvaloração de todos os valores”, qualquer “revolução social”, qualquer “comoção”, só consegue impor novos valores, novos arranjos, novos q são os mesmos (tudo muda pra continuar o mesmo) pra máquina tribal: qualquer revolução é apenas um ritual da máquina tribal: ilusão de devires.
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