teses sobre o real
1
o principal defeito de todo materialismo até aqui (incluído o de marx) consiste em que o objeto, a realidade, a sensibilidade, só são apreendidos sob a forma de realidade ou de natureza, mas não como atividade social de produção, enquanto práxis, criação integral de subjetividade e objetividade, onde o primeiro momento em processo social instaura, mantém e reproduz o primeiro. eis porque tanto os materialismos quanto os idealismos ao tomarem sempre uma posição deixaram de ver o caráter fundante da sociabilidade. todos querem sempre objetos sensíveis independente da “tribo”, do momento histórico, de determinada presença socializada, como se mantivessem um deus como garantia última, um imenso corpo morto. não apreendem a própria atividade como atividade objetiva, isto é, a que instaura o ser a partir do caos: sem a presença a única resposta possível é o caos, que lateja além da pela cenográfica do visível. por isso partem sempre de uma perspectiva e de um comportamento teórico como se fossem enfrentamento direto com uma pretensa existência em-si. como se houvesse algo autenticamente externo, enquanto que a práxis só é apreciada e fixada em sua forma teoricamente fenomênica, enquanto ideologia que não consegue ver suas projeções: a questão da ideologia é ontológica antes de ser teórica. eis porque não compreendem a importância da atividade negativa tanto no processo de compreensão quanto no de produção do real.
2
a questão de saber se cabe ao pensamento uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prático-teórica. é na práxis que devemos demonstrar o fundamento do real, isto é, a realidade e o poder, o caráter social de seu fundamento. a disputa sobre a imaginação em suas formas de atividade enquanto práxis e a existência autônoma de uma “natureza” e de uma “humanidade” - é questão puramente epistemológica, onde se perde as redes de produção do real em nome de uma exterioridade organizada que provém da própria práxis, que não se resume ao trabalho (primado exclusivamente religioso e burguês).
3
a modificação de si mesmo e da comunidade só pode ser compreendida empreendida depois de se entender o caráter e a forma de existência daquilo que se quer modificar e só é possível quando se articular todo o processo numa práxis revolucionária que ainda é preciso estabelecer, pois as anteriores sempre fizeram parte do mesmo corpus do capital, compartilhando suas ilusões e sendo cúmplice dos seus projetos.
4
A duplicação religiosa do mundo em humano e natural consiste em não levar até a raiz o fundamento histórico da práxis. Mas o fato de que esta separação apareça como a realidade (sociedade e natureza), com autonomia, só pode ser explicado pelo autodilaceramento e autocontradição para o funcionamento da práxis, para sua reprodução. Se não compreendida em suas contradições não pode ser revolucionado praticamente.
5
esse pensamento religioso que funda praticamente toda reflexão e toda atividade intelectual e revolucionária dos últimos séculos ao apreender a atividade prática como geradora do real, poderá não somente articular uma outra teoria revolucionária, mas realizá-la saindo do transe imposto desde as últimas décadas do século xx.
6
esse pensamento religiosos, baseado na separação feita pela própria práxis, terminou dissolvendo o “mundo humano” ao transformá-lo num descomunal estômago consumidor, pois a meta não era manter a separação em “homens” e “natureza”, entre “antes” e “depois” em todos os níveis, mas somente no teórico. não só o indivíduo e o próprio conjunto social são as relações sociais, mas o real que o circunda é mantido, significado e reproduzido socialmente.
7
por isso não se vê todo esse processo como algo “religioso” (ele se apresenta como científico, filosófico): essa é sua camuflagem. não se percebe que a exterioridade é também criação social e que tudo faz parte de uma forma determinada de sociedade. tanto da universalização quanto as naturalizações fazem parte das estratégias essenciais de reprodução da práxis sob o capital.
8
a práxis, a vida social não é essencialmente prática, mas um sistema complexo polidimensional de ações-crenças, teorias-práticas, de projeções, introjeções, de deformações, proteção e retroalimentações, de programas e salvaguardas. a teoria tende, normalmente, para uma forma de misticismo camuflado em objetividade e justeza de reflexão por utilizar como estrutura teórica de compreensão as próprias ficções da produção-reprodução da práxis, o centro hipnótico do real: para compreender a práxis fora de suas ilusões é preciso, inicialmente, descrer das suas mais fortes certezas, das suas ilusões de garantia.
9
o ponto de vista das velhos teorias são a “sociedade civil” e a “natureza”; outro ponto de vista é a cultura específica de uma “tribo” e sua atividade real e imaginária enquanto formatadora do existente.
10
os intelectuais até o momento se limitaram a acreditar de diferentes maneiras na existência do mundo independente da práxis: agora nos cabe começar a pensar uma exterioridade e um mundo social que dependem essencialmente na nossa existência para existirem e se transformarem.