ZONA DE IMPACTO
ISSN 1982-9108 ab irato
Vol. 11, Ano XI, agosto, 2008
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alberto lins caldas
Departamento de História – UFRO
Centro de Hermenêutica do Presente
www. albertolinscaldas.unir.br
albertolinscaldas@yahoo.com.br
*. pôr em crise a “malha hierárquica” da Língua, suas naturalizações, suas universalizações, sua sociabilidade, sua moralidade cristã intocada: palavras-bolha, palavras-tumor, palavras-abscesso, palavras-furúnculo, palavras-dobra: a repetição, a infestação dos sexos, o monstruoso, transversais em choque com transversais: os devires infestando o ser, pondo o ser pra se movimentar, se abrir, se desdobrar:
*. a unicidade de cada narrador: expor a lingua-gem de cada narrador: a linguaingua: o único de lingua-gem da singularidade: a linguaingua apodrece, faz vibrar, faz desconfiar da Língua: perturba a solidez, a imobilidade ou as mobilidades permitidas y aceitas:
*. a linguaingua atinge não só a gramática (isso q ordena, justifica, explica, permite, reproduz o horror), mas a opacidade da Língua, sua lógica-ontológica [q é gramatical: o real é gramatical: formatação dos servos sob o cajado dos servos dos servosenhores], amolecendo a forma, o movimento, a relação entre a coisa y a palavra, entre a voz y a escrita, entre o tempo y o espaço (a palavra amolece):
*. o horror (escondido pela Literatura y seu gesto gramatical / estatal / sociológico / histórico) se expõe se condensa se viabiliza pela linguaingua, q se torna o próprio horror em palavras (as palavras se ex-põem doentes y não na sua falsa saúde: deixam de ser “políticas”): t-umores q, ao se dizerem, são o próprio tumor (sem mimetismo, sem verossimilhança: não representam o tumor): não são espelhos do horror, mas o horror “em pessoa”:
*. a literatura não é “sobre” o horror: não é contar histórias (o horror depois q é articulado, composto): ela “é” o horror: a questão não é explicar o horror: sendo o horror a literatura atinge o horror: atinge a experiência, o imaginário, as redes virtuais da hegemonia sem se esgotar em ser “arte”, “estilo”, “gênero”, “mercadoria”:
*. a linguaingua impede q a literatura se torne y se satisfaça em ser Literatura, Língua, mercadoria, gênero, História, estilo, linguagem, natureza, sociedade: dissolve o tempo inteiro todas as ligações fortes y estáveis: é vazio q atinge, q fende, q funde, q dissolve, q dobra até partir: somente ao se partir, se fragmentar, se pulverizar, pode, provisoriamente se “realizar”:
*. dizer pra destruir: destruir ao dizer: dizer sendo destruído, sendo destruição, tendo sido destruído: força contra forças: a literatura é pura positividade (não esconde sua ficcionalidade): a linguaingua não diz nada a não ser a si mesma, perdida, dispersa, confusa, violenta, em devires em busca da vida: tumor q estoura, escorre, fede, infecta: o horror: a literatura não se “realiza”, não chega a uma superação (é sempre o mesmo): é sempre reafirmação negativa: um se manter à tona na merda do horror: a linguaingua reafirma a vida no horror: o tumor da linguaingua não tem cura: não é remédio (não é pharmacon: nem remédio nem veneno): essa positividade é plena liberdade, instrumental, momentânea [não é porq perdeu a “individualidade”, a “singularidade”, a “identidade”, a “comunidade”, o “grupo” (pavores dos cristãos soltos na tempestade deles mesmos), mas porq compreendeu o quanto isso tudo são ficções do horror y não “conquistas”]: é momento do enfrentamento, não forma, estilo, gênero pra ser devorado pela tradição [horror]: sendo, deixa de ser: assume os devires: a cápsula tribo:
*. a linguaingua é intervenção na virtualidade: atinge a forma, as cristalizações do movimento pela Língua, a hierarquia, as classificações, os poderes, as forças, os sentidos, o espírito de manada: só aquele narrador desdobra aquela linguaingua: o único contra a manada – pra nada:
*. novas conexões, outros arranjos, dobras q perturbem sentido y valores: afetar as ligações, desonerar, desalterar os marcos, inter-ferir, transfigurar: pôr em tensão: retirar do lugar, desinserir, desinvestir, repositivar, inverter, corromper, libertar: mas a linguaingua não comunica, não espera se comunicar, comungar: vive num universo q é o horror y essa consciência advém do lento estabelecimento da própria linguaingua: ao se desdobrar ela desenrola y dobra, fia y desfia o horror: o horror se “personifica” porq a linguaingua se torna ele: é como engolir uma serpente, um rato faminto, um punhado de ovos de tênia:
*. a linguaingua deve ser descaradamente arbitrária: sua simetria é des-ordem, in-significação (in-subordinação) q viola o signi-ficado, o signi-ficante, a signi-ficação: a linguagem q deseja significar, mumificada como signi-ficado, mesmo sem ser ouvida, mesmo sem poder falar, propaga: “eu sou”, “eu digo”, “eu resisto”, “eu”: a linguagem da Língua, praticamente toda ela, é imobilização dos devires, raptação da positividade, da luta contra o horror, pondo no lugar estilo, oralidade, gênero, politicidades do mesmo y do ser: a Língua não consegue dizer o diz da linguaingua, q se desdobra com ela pra bem longe dela:
*. o narrador da linguaingua é, ao mesmo tempo, a criatura desse narrador y esse mesmo narrador, sua vida como delimitações do viver y do narrar: a linguaingua é o narrador em sua unicidade provisória (unicidade q é contra a totalidade, a verdade, a generalidade, a legalidade da Língua): essa unicidade provisória [da linguaingua naquele momento do narrar: não se confunde com um possível vivido: a linguaingua é momento narrativo do narrador, não do escritor: cria letrada da oligarquia das letras: impotente castrado q só pode ver a si mesmo y a seus iguais: fora da ninhada, fora do ninho, nada é reconhecido: ninho platônico, pathos da tribo, medusa contra dioniso] é o sim dentro do horror [q é sempre coletivo, sempre negativo: todo rebanho, todo povo, toda massa, toda manada, todo formigueiro, todo cardume é negativo]:
*. a linguagem não quer “comunicar”, não deseja ex-pôr, ser uma abertura, se abrir em redes vibratórias q re-vertam [isso é exceção, clivagem selvagem, coisa inoportuna, mistério, violação]: ela se constitui como um afastamento da “explicação”, da “narratividade”, do “diálogo”, da desocultação, do desvelamento: esse é o quantum de silêncio q é cúmplice do horror y é a essência da própria linguagem: ocultação, velamento, fechamento deixando só fluir o mesmo em seus ritmos perversos [a linguagem é uma “criação” do mesmo pro mesmo: sem reprodução, imitação, propagação, reconhecimento, manutenção, repetibilidade não existe nem serve pra nada a linguagem]: a linguagem tem na palavra um de seus cúmplices mais covardes, mais entregues ao horror, mais adequados a todos os mecanismos [fordistas] de apaziguamento, reforço, adestramento, motivação, condicionamento, satisfação: ao mesmo tempo o máximo de ilusão filosófica, científica, religiosa, artística: sem a palavra essas ilusões reificadoras, aquelas q se tornam a efetividade, q justificam o real em suas crenças, perderiam seu suporte: enquanto a Língua comunga y é esse quantum de silêncio q aparece como “comunicação e saber”, a linguaingua é a mais violenta algaravia: literatura. a Literatura, a mídia, as conversas cotidianas são esse quantum de silêncio “ao vivo”: exercícios do mesmo, expressões do mesmo, formas do mesmo.
*. a linguaingua é umor [o humor dentro do tumor, sem graça, sem piada, mas ácido, gástrico, per-verso, per-vertido, per-vertendo o pus do horror, o horror q é a tribo, a ocidentalidade em seu fulgor]: o riso, a risada, a gargalhada cínica, o descarado, o petulante, o deboche, o pastiche, a clivagem, o fragmento, o irreverente, o torto, o q expõe a estupidez rindo, resistindo [o q vem depois de sade, büchener, kafka, brecht, beckett, bernhard]:
*. inchaço, tumor, intumescência, saliência, tubérculo, bolha, nódulo, sintoma, sinal: intumescência – o q aumenta de volume, incha, dilata: encapelar, bossa, calombo, edema, galo, mondrongo: tumesfaciente – o q faz inchar: tumor – crescimento mórbido, caroço: metástase – comprime y invade as estruturas vizinhas [linguaingua não é “palavra-valise”, não é mais sentido, mas a palavra q incha y estoura mostrando seu dentro y seu fora, seu antes y seu depois, seu vazio y o q devorou: seu além, seu nada, seu único de-leite]:
*. na linguaingua o corpo permanece, a estrutura reconhecível, a forma inda ta lá: reafetar, infectar a escrita, a linguagem: perturbar a metafísica criada, mantida, reproduzida pela linguagem: o real, a efetividade, é metafísica: como são metafísicas puras y cruéis todas as ciências, saberes, disciplinas, filosofias:
*. desenclausurar as palavras, retirar o peso dos acentos, suas ligações rígidas, sua lógica: desnaturalizar: doente, inchada, leprosa, cancerosa, a palavra invade o resto [?q resto] da linguagem, fazendo aparecer todas as configurações do não, todas as doenças do horror tornadas realidades, pensamentos, desejos, tempo.
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