DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E FILOSOFIA - UFRO
Jacques Derrida no seu livro ”O olho da Universidade” afirma que “Feliz a idéia da universidade de querer construir o conhecimento.” Esta é a idéia que pretendo aqui analisar. Afinal o que é o conhecimento e como ele é construído? Se buscarmos, na essência da palavra conhecimento temos dois aspectos muito importantes: o do sujeito e do objeto. O sujeito sempre busca um objeto a ser conhecido por ele próprio. Assim, o sujeito sempre está na busca de compreender este objeto ao longo de sua vida. Contudo, devemos aqui refletir como ocorre esta busca na Universidade? Será que o conhecimento resolverá nossos problemas?
A questão central é como nós podemos pensar a Educação dentro de um espaço constituído por nós professores, alunos e funcionários das nossas Instituições. Para pensar a educação devemos pensar a Universidade e vice-versa. Ora, o fazer universidade, não se esgota com o processo de receber informações, é importante avaliar e analisar como estas informações estão sendo construídas dentro de nossas mentes, ou seja, não devemos aprender Filosofia, devemos apreender a Filosofar. Parece-me que nossas instituições ainda não conseguiram em plenitude pensar o como do processo educacional, e sim apenas aprendemos a formular conceitos já prontos e analisados por outros autores e pelos nossos professores. A questão proposta é de como nós podemos construir o nosso próprio pensar? Será que pensamos com autonomia e refletimos o que pensamos em nossas aulas na Universidade?
De acordo com o Professor Luckesi,
“o conhecimento é um processo pelo qual cada um de nós se apropria da realidade. Conhecer uma realidade é descobrir o que ela é. A expressão deste conhecimento, por conseguinte, deve guardar íntima relação de fidelidade a esta realidade conhecida.[1]
Assim, conhecer é envolver entre a realidade que temos e a que queremos conhecer. Esta proposta de conhecer exige uma relação entre aquele que conhece e a realidade conhecida. Esta análise encontramos em Paulo Freire quando ele afirma que “ensinar não é transferir conhecimentos”, mas exige a construção da teoria e da prática no processo da formação do apreender e do saber. Neste sentido, Freire afirma que
“na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considero como um paciente que recebe os conhecimentos - conteúdo -acumulados pelo sujeito que sabe e que são a mim transferidos”. [2]
Contra esta transferência bancária, Paulo Freire lutou sempre, provando que não é a transferência do conhecimento, mas a reflexão sobre ele na busca de apreender a pensar e a refletir sobre esta aquisição. Neste processo, é que vejo o sentido da Universidade na formação do ensino, da pesquisa e da extensão.
Este processo deve andar de mãos dadas, pois não ensino sem pesquisa, nem pesquisa sem ensino. Pesquisar é ensinar, ensinar é pesquisar. Somente quem pesquisa aprende, e percebe que pode ensinar cada vez melhor, pois além da teoria, possui a prática. Deste modo, como posso apreender a pesquisar na Universidade? Esta pergunta exige de quem pergunta o processo de saber que como docente e como aluno precisa apreender a pesquisar. Pedro Demo afirma, neste aspecto que a habilidade de pesquisar “começa pela capacidade de explorar o terreno, adaptar-se novos ambientes, descobrir padrões dominantes, responder com inteligência.”[3] Para que isso aconteça é necessário mesclar a duas coisas: saber pensar para saber pesquisar. Sabendo pesquisar, o ser humano vai apreendendo a saber pensar e consequentemente vai apreendendo a conhecer cada vez mais as coisas.
Ora, este processo é altamente importante na universidade, quando ela deixa pensar e pesquisa o que pensa através da comunidade e da sociedade em que ela está inserida. Saber pensar na comunidade é tarefa primordial para aprender a refletir novos caminhos desta prática, pois somente quem apreende a discutir e a refletir o conhecimento têm a capacidade de pensar por si mesmo.
A pergunta que cabe neste momento é de que como nossas Universidades no meio docente e discente conseguem pensar a sua prática educativa em sala de aula e nas práticas de pesquisa? Será que o que fazemos em nossas atividades de sala de aula repercutem verdadeiramente no desenvolvimento da aprendizagem? E será que a pesquisa realmente acontece em nossas Universidades? O que pesquisamos, realmente interessa a nós para adquirirmos o conhecimento? Não seria, ainda, uma cópia de algo que já foi copiado? E as Faculdades que não pesquisam porque os professores não querem ou não sabem pesquisar, transformando em verdadeiros “Escolões” de terceiro grau descomprometidos com a verdadeira finalidade da Universidade: Ensino-Pesquisa e Extensão.
Não seria o momento de nos perguntarmos como vão as reflexões acerca do ensinar e o pesquisar na Universidade? E como desenvolver projetos de extensão que possam realmente discutir e construir a cidadania na sociedade? Como andam as parcerias entre o Estado e a Universidade? Como andam os projetos das Empresas com as Universidades? Qual o papel do estágio entre a Universidade e a Empresa? Quais são os retornos que os alunos, os Professores e a comunidade têm destes projetos? Há realmente um retorno da Pesquisa com a comunidade? Há um processo do desenvolvimento do ensinar e do apreender na sala de aula? Até que ponto nossas Universidades deixam e se permitem avaliar?
Estas perguntas buscam fazer uma reflexão séria para que a Academia e a sociedade pensem quais os verdadeiros caminhos que podem dar a Educação. Este processo é de construção e de reconstrução do conhecimento. Isto nos conduz a um processo de convivência entre professores- técnicos e alunos no sentido de buscar a construção do conhecimento dentro do tripé ensino -pesquisa e extensão para o aprimoramento da aprendizagem.
Há dois aspectos importantes que devemos explicar. O primeiro é o processo Reflexivo e o segundo é o questionamento. A reflexão ocorre somente ao ser humano onde fazemos e construímos a nossa história. Assim se não tivermos consciência da nossa própria tarefa e da nossa história de educar, como podemos transformar a nossa prática educativa? Neste aspecto, é importante construir a nossa história através do ato de educar e do aprender. É a realização do ato de aprender a aprender.
Deste modo, com a reflexão surge o ato de questionamento que se desenvolve pela formação de pessoas críticos, criativos, comprometidos com as transformações necessários à construção de uma sociedade livre e participativo. Assim, o processo se desenvolve pelo tema gerador que pressupõe uma prática construtiva dentro de uma metodologia dialógica que estimula o educador a promover a participação, a discussão de idéias e também assumir uma postura crítica de problematização constante, de distanciamento, de estar junto com os educandos observando-se e criticando-se nessa ação.
Observamos que alguns professores se manifestam resistentes quanto à adoção de posturas abertas na construção do conhecimento, contrapondo-se à perspectiva intersdisciplinar. O tema gerador gera o diálogo provoca questionamentos e discussões acerca do conhecimentos e discussões acerca do conhecimento e do mundo histórico-social.
O segundo aspecto que quero discutir é o da responsabilidade da prática docente e das políticas internas das Instituições, bem como das políticas públicas do Governo Federal no que diz respeito à aplicação das verbas nas Universidades. Contudo, o que vemos é que infelizmente o Governo Federal não aplica as verbas que deveria aplicar nas Universidades, nem tampouco investe como deveria investir na pesquisa no Brasil. Quantos cientistas tiveram que sair do Brasil por não receberem apoio do nosso Governo? Quantos Professores Doutores não tiveram que interromper suas pesquisa devido aos cortes de bolsas e de investimentos na pesquisa?
Esta reflexão é analisada por Fávero quando afirma que “o importante e fundamental é que a universidade tenha o respeito dos governantes pelo exercício responsável de sua autonomia.”[4] Deste modo, se não responsabilidade do Governo na aplicação das verbas para o desenvolvimento da Educação nas Universidades, como exigir que nossos docentes sejam também comprometidos com a pesquisa. Contudo,
“se a Universidade não assumir a pesquisa enquanto projeto institucional, dificilmente ela assumirá que uma de suas funções - e não apenas de algumas de suas universidades e institutos - é a produção de conhecimentos nas diversas áreas do saber.[5]
Esta afirmação de Fávero corresponde a grande responsabilidade de construir o conhecimento através do ensino, da pesquisa e da extensão na busca da construção da cidadania, através da Ética.
Assim, do mesmo modo que deve-se ter uma aplicação de verbas nas universidades, é importante que as verbas sejam aplicadas também na qualificação de nossos docentes para que os mesmo possam aplicar os seus conhecimentos no desenvolvimento de suas práticas em sala de aula, na pesquisa e na sociedade em projetos que contribuam na eficácia da construção do conhecimento e da cidadania, o que este aspecto,
“a universidade, voltada para a Qualidade, deverá exercitar-se na busca do novo, na reflexão crítica, através do ensino e da investigação científica em todas as áreas do conhecimento, buscando não apenas incorporar-se ao sistema produtivo, como também recriá-lo e questioná-lo, além de difundir a cultura nacional e universal”.[6]
Ora, a busca pelo novo é também a busca por novos caminhos na capacitação docente em Mestrados e Doutorados, bem como em práticas adequadas dos Professores e de alunos que possam transformar o Ensino num prática democrática e transformadora em sala de aula e fora dela.
O terceiro aspecto que pretendo refletir é o da Ética na Universidade. Marilena Chauí na apresentação do trabalho “Ética e Universidade”, aponta para alguns problemas que acontecem nas Universidades. Uma delas é de que no capitalismo é difícil realizar projetos éticos que possam aprimorar discussões e reflexões na busca de um comprometimento social para a construção de uma qualidade do ensino e da aprendizagem. A avaliação que se pode fazer neste processo é de que qual Ética está se plantando em nossas Universidades? Professores falando mal de outros professores, alunos falando mal de professores e vice-versa. O pior é que as roupas sujas não estão sendo lavadas em casa, e tornam-se públicas, quando alunos, professores, técnicos e dirigentes ainda não aprenderam a conversar entre si, ou seja não apreenderam a dialogar. Parece-me que Sócrates e Platão têm razão ao afirmar que o conhecimento somente é adquirido pelo Diálogo, onde a dialética entre os falantes e os ouvintes, ou escritores e leitores devem saber falar e saber ouvir, saber escrever e saber ler as verdadeiras letras de uma Ética verdadeiramente construtiva.
Afinal, como podemos saber construir esta Ética? Chauí aponta para as diversas dificuldades de se construir uma Ética quando não há preocupação e comprometimento do Governo federal nas aplicações das verbas e quando não se reconhece o verdadeiro papel da construção da Universidade no meio social e econômico num mundo globalizado e com uma política neoliberal. Contudo, é na Universidade que precisamos apreender a ter um compromisso ético com a estimulação do correto exercício da cidadania por parte de seus educandos, futuros profissionais, futuros dirigentes sociais.[7]
Chegamos a uma pequena conclusão apresentando algumas contribuições que possam servir de sustentação teórica e prática para a construção do conhecimento através do desenvolvimento da responsabilidade e do processo de busca pelo aprimoramento da Ética e da cidadania:
Elaboração de metas e caminhos que busquem uma construção de um projeto pedagógico realmente eficaz no aprimoramento do ensino, pesquisa e da extensão;
Rever os currículos dos diversos cursos tornando-os mais dinâmicos;
Investir em projetos de ensino, de pesquisa e de extensão para que a Universidade e sociedade possam construir um conhecimento que atenda a população do nosso país:
Construir mecanismo de reflexão da prática docente e discente em sala de aula e fora dela;
Criar núcleos, Centros e Institutos de pesquisa fortalecendo a prática de iniciação científica, bem como no aprimoramento dos Cursos de Mestrado e Doutorado no país;
Incentivar a prática reflexiva dos professores e dos alunos através de aulas dinâmicas que possam envolver as técnicas de ensino e da pesquisa;
Compor quadros de Docentes através de concursos públicos permitindo a formação de um plano de carreira justa que permita a valorização da titulação acadêmica com a constante produção científica dos seus professores;
Ter uma política de atuação claramente definida na qual aqueles que trabalham possam se engajar, buscando o alcance de seus objetivos comuns.
Estes objetivos, entre tantos outros que se apresentam em nossas mentes de estudantes e de professores são alguns dos meios que permitem a comunidade acadêmica pensar e repensar a verdadeira função da Universidade, que ao meu ver é o de desenvolver meios para que alunos, professores e técnicos possam construir o conhecimento apreendendo a construir responsabilidades no aprimoramento do Ensino, da Pesquisa e da Extensão para a construção de uma cidadania mais justa e equilibrada em nossa sociedade.
Para encerrar gostaria de citar um pequeno texto da última obra de Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia: “O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora, e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos. [8]
Que Freire e tantos outros educadores e educadoras deste Brasil nos ensine o caminho para a construção de uma Universidade democrática, justa e equilibrada na busca do aprendizado e da construção de uma Ética solidária e cidadã.
Notas
[1] LUCKESI, Cipriano et alii. Fazer Universidade: uma proposta metodológica, 1991, p. 165.
[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, 1997, p. 25.
[3] DEMO, Pedro. Conhecer & Aprender, 2000, p. 149
[4] FÁVERO, Maria de Lourdes A. (org.) A universidade em questão: como resgatar suas relações fundamentais, 1989, p. 48.
[5] Idem, ibidem, p. 52.
[6] Lever apud VASCONCELOS, Maria L. M. Carvalho. A formação do professor do Ensino Superior, 2000, p. 50.
[7] Idem, Ibidem, p. 64.
[8] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, 1997, p. 96.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Maria Lucia Marcondes o. A formação do professor do Ensino Superior, 2º ed., São Paulo: Pioneira, 2000.
DEMO, Pedro. Conhecer & Aprender. São Paulo: Pioneira, 2000.
LUCKESI, Cipriano, BARRETO, Elói, COSMA, José et alii. Fazer Universidade: uma proposta metodológica. 6ª ed., São Paulo: Cortez Editora, 1991
FÁVERO, Maria de Lourdes A. (org.) A universidade em questão: como resgatar suas relações fundamentais? São Paulo: Cortez Editora, 1989.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997.