fragmentário

 

i

 

*. a palavra q se difunde, q é ouvida, entendida y aceita é unidimensional: faz parte, pertence, se enraíza: comunga, é cúmplice, parceira, companheira, compadre: acessório das mercadorias.

*. sem a multiplicidade das muitas tradicções convergindo; das infinitas obras se articulando; dos muitos estilos y gêneros; sem o adensamento de citações; sem a folia de fantasmas textuais; sem sombras estilísticas; sem infestações transversais em textos; sem vidas y existências inteiras; sem a polidimensionalidade de leituras y releituras; sem a dimensão alegórica q articula em feixes o desarticulado (o horror: o grotesco) tudo se torna raso: nada faz soltar a escrita-leitura em vários caminhos [é por isso q se corre pro enredo: como se a “missão” da “escrita literária” fosse fabular: é sempre o mais fácil: o “bom enredo” esconde o pertencimento, a unilateralidade, o raso: o verdadeiro enredo é nódulo monstruoso: o q se reúne pelo enfrentamento do horror, não pra satisfazer os modelos, as temporalidades, as modas, os sentidos: o horror se torna a nova espinha dorsal conquistada do movimento das redes dispersas].

*. tudo se passa praticamente num mesmo lugar y, se há movimento, é uma volta sempre pronde saiu: minúsculo círculo humilde: o lócus de inspeção, o mercado, a oligarquia das letras.

*. a literatura seria ou deveria ser o lugar da palavra espessa [aquela q não pode respeitar gramáticas y convenções retóricas: presa dentro da Língua, da tradição, do povo, da nação, do tempo, dum grupo, dum mercado]: aquela q faz recordar, a q vale a pena, aquela q faz reviver vozes mortas, atiça antigas leituras, livros esquecidos, frases incompletas, brilhos q morreriam sem alento se não recebessem segunda chance: literatura é alegoria grotesca: pra rearticular o plano y o campo existencial q sofremos, somos y vivemos sem perceber.

*. mas o leitor [o culto (o servo dos servosenhores), não o médio y semi anal-fabetizado q existem como ratos numa “epidemia medieval”, aquele q pensa realmente q o narrador é o autor assim como o autor crê piedosamente y insistentemente q o narrador é ele ou parte dele] não consegue ouvir essas ressonâncias, essas paráfrases, esses ecos, essas alusões, essa vida refeita em suas linhas monstruosas (tem meta filosófica clara com a negatividade y com a rearticulação dos vividos). essa polidimensão, o universo das paródias (a palavra unidimensional é burra y séria), essa riqueza aprisionada q somente determinada leitura consegue fazer brilhar y fazer com q realize o escrito: ele não consegue sentir q aquilo qele tem nas mãos é o múltiplo resultado de infestações q, mesmo ao deixar o “resultado parecido”, é outra-coisa, outro-sentido, não é documento, texto, mas uma espécie de hipertexto do horror.

*. a “oligarquia das letras” lê somente da maneira mais pedestre possível [nada mais silvestre q a erudição usada pra esconder relações de poder, os vazios do seu “objeto” y uma posição normalmente moralizante/cristã]; é naturalista, historiográfica y sociológica, jornalística y midiática. a tradicção q lhe deveria servir é ela mesma (escolha y formação de classes oligarcas, cristãs y estatais): ocultamento y não mais q isso: sua função não é ler (destravar, desocultar, multiplicar, ex-por, im-por sentido), mas prender, ocultar, impossibilitar, subtrair a diferença, aquilo q não se doma, aquilo q rejeita a palavra comparativa, palavra dos poderes, palavra vendida, venal y somente venal [palavra q pertence ao gosto médio, ao mercado, tanto quanto antes dum mecenas, duma família: o mercado não torna o escritor livre (como não tornaria livre o libertino), mas conforme o próprio mercado: não se sente isso por pertencimento, cumplicidade y crença: agindo conforme a “consciência”, conforme a “vontade” se realiza somente o próprio mercado via oligarquia das letras].

*. a palavra q se funda num real (numa tecnologia, em comportamentos, em governos, numa nação y numa Língua), num momento, numa História, numa política, é “levada pelo tempo”, fica presa naquele “lugar”: ela se entregou ao movimento q cala y faz calar jogando a palavra, a consciência, o poder de mudar y compreender, no fluxo devastador das mercadorias q se apresentam como tempo, como evolução, como a realidade, mas não passam de “moda”: é abdicar da própria literatura em nome duma Literatura (lócus de inspeção y palavras duma oligarquia das letras).

*. não se deve crer em leitores. se eles crêem no libertino (acreditam y veneram o autor) isso é problema deles. eles procuram sempre sobre-o-q-a-palavra-é, não o q na palavra flui, a palavra-devir: existência densa, confluência y dispersão de tradicções: não-ser: pra literatura a palavra só é ao não-ser: palavra desterrada. procuram sempre o “sobre”, jamais os devires intratáveis, sempre o igual, jamais a diferença y sua inconformedeformidade. pra eles um “texto em prosa” não tem uma “poética” (ou aceitam pra prosa uma poética sempre formal demais): não é, além de tudo, significante: materialidade q significa por si mesma, contra si mesma, contra quem lê, contra o mundo: nada ensina a não-devires: esse q por ser o não ser articula o monstruoso além de si: uma maneira de estar do entre-nós: ler é tornar devir o devir cristalizado em ser, em códigos, em fórmulas, em métodos, técnicas y vícios.

*. atingir “onde a alma se revela” (plutarco): a “alma” não é um ponto, não se dá linearmente, não aceita ordenamentos: o lócus da revelação não pode ser na visibilidade jornalística, no real sociológico, na estilística historiográfica, no vivencial das conversas do cotidiano como teima em patinar a Literatura brasileira [tudo travestido, sob a batina carnavalesca, em Literatura], mas numa espécie de hipertexto grotesco alegórico q é o real em sua extensão não percebida, mas vivenciada, sofrida, dimensão imperiosa y cheia de mistérios exatamente por não “estar à mão” nem “diante dos olhos”, mas comandar grande parte da existência.

*. esse hipertexto grotesco alegórico não sacrifica a extensão: sua função não é “não ver”, nem “não fazer ver” o resto do monstro, mas expor esse mais-além monstruoso; não apaga a profundidade: não sendo presa dos campos realistas da escrita a profundidade é condição de cada momento (não a “profundidade de boca” dos escritores brasileiros na mídia): sem ela não se realiza a condição alegórica nem a extensão; não unidimensionaliza (quando o horror toma uma forma) a polidimensão temporal tanto do “real” quanto daquela escrita q deseja deixar de ser escritura, deseja atingir o “real” violentamente, q é o mesmo q atingir a consciência nas suas formas de se apresentar.

*. os bairrismos, os regionalismos y os nacionalismos literários [todos negam fazer parte de qualquer desses rótulos precisamente porq todos tão incluídos neles: o “universalismo” (uma das doenças necessárias da ocidentalidade) é a forma mais ingênua de bairrismo: a “europa”, eixo imaginário, a “cristandade”, é a disneilandia dos servos dos servosenhores y dos servosenhores “em pessoa”], além de serem mercadorias vendáveis (seus clientes foram lentamente produzidos pra comerem essa y somente essa mercadoria), são reduções literárias, reduções de valor filosófico, reduções periculosas, degradadas da vida: não atingem o q pretendem atingir, não dizem o q pretendem dizer, não expõem o q querem expor: rotacionam no tom pastoso, professoral, literato, pastoral, visível, recitado próprio da Literatura brasileira (nada mais ridículo q bairrismos q se dizem universais vindos sempre das/pras disneilandias dos servosenhores).

*. a vida forte não aparece, não vem numa história simulacro de outras escrituras ou em fantasmas literários reduzidos, mas no grotesco alegórico na infestação radical de transversais, na escrita libertina. a radicalidade da literatura, sua vanguarda em ataque de compreensão y corrosão do real, do imediato do presente, não ta na forma, na Língua, na tradição, na palavra, mas num campo q reúne o disperso q atua, o invisível q se visibiliza tragicamente, nas forças q agem sem se saber porq. mas não o grotesco ou o alegórico descarnalizados y impotentes q se curvam diante de qualquer poder, mas aquele (o grotesco-alegórico) q é reunião dos campos do vivido.

*. a busca por uma "fragmentação da linguagem" não é exatamente caminho: ele satisfaz por fazer parte do "espírito da época" [fragmentos quando são uma ação contra o “agora”, contra a fragmentação q não seja pelo menos fragmento afiado contra o mundo, não na medida do mundo, não com o espírito do mundo: o “fragmento” nem a “totalidade” são mais saídas literárias (nem o fragmento nem a totalidade são construídos como “antigamente”, mas hipertextos): atuação profunda y extensa nas linhas virtuais, fazendo com q elas se adensem em alegorias monstruosas talvez seja uma das maneiras de enfrentar a dissolução temporal (resta somente o imediato do presente como simulacro impotente do tempo) q nos impede de agir, de atuar, de compreender: é nisso onde reside as "possibilidades de significação"]. a “estruturação textual”, “uma trama”, “um enredo” são conseqüências dessa rearticulação monstruosa do horror nos campos imaginários em movimento: são nódulos de sentido fundamentais pra consciência, pra literatura q não é palavra estabelecida ou a se estabelecer. “tentar construir jogos e labirintos de palavras” é continuar o lúdico do mercado, aceitando a literatura como pleigraudi, shopincenter, prostíbulo: o “jogo” não faz parte da literatura: “jogo” faz parte da imaginação na interpenetração carnal tanto na escrita quanto na leitura: a literatura é dançarina, não jogadora: ela não comunga da “socialização” do jogo nem de suas metas alegres.

*. transversalização não é “dançar sobre estilhaços”, mas estabelecer feixe polidimensional de visões [depois sempre dançar sobre estilhaços]: o lugar do hipertexto da literatura não é espaço pra dizer o natural, o social, o histórico, o antropológico, o atual nem dança imóvel sobre nadas impotentes: transversalizar é encontrar nódulos de sentido no movimento dos infinitos planos monstruosos do existir y nos silêncios, nos vazios, nos contornos antes da visibilidade, no frágil y impenetrável manto entre o “real” y o “caos”, nas extensas artérias q saem desse manto q envolvem o existir, o perceber, o pensar, o sonhar, o “escrever contra o horror”, o desejar: corredores esvaziados y plenos de ordens y contra-ordens, projetos y contra-projetos, ondas y cordas vibrando: onde toda positividade se torna negativa, onde toda força se enfraquece, todo reordenamento se torna a ordem da Ordem, onde toda guerrilha é assimilada: toda politicidade se despolitiza: onde o horror corre livre y supura no “real”, não só nas suturas desse real, mas no viver cotidiano: donde, sem saber, vem o acreditar, o suportar, o “entender”, o justificar: pro libertino y pro louco essas artérias, esse manto, fazem parte inseparável do “real”: esse é o lócus gerador do grotesco q somente o alegórico consegue “dizer”: esse dizer, sendo articulação do desarticulado, politização forçada da despolitização q aparece como Política, consciência sobre inconsciência atinge esse manto em sua “natureza” y, exatamente por isso, será impotente, improdutivo, irreal, ilegível pra legibilidade: o manto em sua dinâmica arterial devora a literatura y transforma ela em Literatura: a literatura tem uma “existência” delicada, só se plenificando “uma vez”, quando consegue: mas essa única vez, esse fulgor na escuridão, é seu valor fundamental: seu existir só persiste porq mutaciona, se transforma o tempo inteiro saindo da apreensão, da análise, da leitura da canonização: fulgor q vibra, desaparece y reaparece onde menos se quer: devir.

*. a Literatura “marginal”, de “favelados”, de “prisioneiros”, duma busca pastiche do “oprimido violento”, “linguagem bruta” de “cinema nacional”, é tão somente naturalismo de bairro imposto como “nacional universal”, “regional universal”, como se fosse mercadoria nova y não velharia recauchutada. a “miséria”, a “violência”, a “marginalidade” enfrentadas “realisticamente” é fuga covarde dessa mesma “realidade”, estetização escolar, protocolar própria dos letrados da oligarquia das letras: o “atualismo” é uma das formas literárias mais potentes pra não enfrentar o horror, mas trejeitos dagora, momentâneos do seu se manifestar. vazio, ineficaz, ridículo por si mesmo se todo um aparato crítico oligarca y mercadológico não mantivesse à tona o corpo morto [flutuando artificialmente é mantida praticamente toda a Literatura brasileira: sem esse “esforço nacional”, uma das funções da oligarquia das letras y do estado, “ela” já teria afundado y se dissolvido sem “choro nem vela”].

*. a literatura é jogo solitário, masturbação deliciosa y violenta onde o leitor pode ou não entrar como voaiê, como pervertido olhando por uma brecha imperceptível pro libertino q se masturba vivendo a imaginação com sutil perversidade; ou pião de madeira com ponta de prego y cordão resistente, sempre em movimento, sempre lançado bruscamente, estalando no ar: só é literatura se for aquela masturbação, só é brinquedo se ficar girando sem parar, se estalar como chicote: o jogador brincando sozinho depois da morte do universo: literatura é dança, movimento, devir: o horror é o devir, o horror ta no devir, principalmente naqueles planos, pontos, curvas cristalizados em real.

*. a literatura não constrói coisas, objetos, homens, cidades, ruas, histórias, geografias, costumes: mas sistemas, relações, mediações, redes, atmos-feras, devires, vibrações: isso é o q produz as coisas y os efeitos de real tanto no literário quanto no imediato do presente. como o real y nada dele existe, mas nos aparece sempre em teia, vibrando, atualizado pelas cordas imaginárias do tempo, a literatura não pode fincar seu gesto num real naturalizado, sociologizado, historicizado (escritas esquecidas q são escritas: “ideologias”), mas dimensão q dance como dança o real: hipertexto monstruoso em gozo de fluxos [via-de-regra: menstruações]: hipertexto q devora y vomita contextos q esqueceram q são somente textos reificados y reificadores.

*. o real literário, sendo rearticulação do disperso nas redes hipertextuais, é, antes de tudo, pontes, linhas, pontos, planos, feixes, contatos: tessituras: tempo. a literatura são essas tessituras q não se localizam, não se definem, não estancam, não são reconhecíveis, não fazem parte do imediato do presente, do midiático, do jornalístico, daquilo q as modas levam, inutilizam, desgastam, jogam fora pra nova mercadoria: literatura é vírus em permanente mutação exatamente por não fazer “parte do presente” [nem de si mesma, paranóica, esquizofrênica, mutante, extraterritorial, extemporânea], mas dos devires, dos mutacionares, dos imperativos, daquilo q, mudando, exige mudança y, mudando, muda de novo: sua diferença y indiferença são similares aos do cardume: ela não sabe dele, ele não sabe dela.

*. a literatura não trata do visível, mas do perceptível, do intuível, daquele universo q não teme os relativismos absolutos [a historicidade levada as últimas, ou primeiras, conseqüências], os fluxos. seu mundo se define y se redefine a todo instante: seu lugar é não-lugar, sua palavra não é a da tribo, sua meta é radicalmente positividade contra a negatividade instituída, instável. não é “dizer o mundo”, mas a existência enquanto devires y nessa medida.

*. é com a leveza do não-lugar q se pode tocar o peso dos lugares; é com a palavra desenraizada q se captura a palavra y as raízes; é com a extemporaneidade q se pode tocar os desdobrares do tempo-horror; é com o sem nome q os nomes se entregam; é com o hipertexto q se sabe q se toca as relações vivas q em fluxo aparece sempre como o real: o solo da literatura é atmos-fera: perfurar, dissolver, inverter, expor o manto, o tempo, o horror: sorver o q supura das fendas y endurece nos planos.

*. as lógicas da literatura não são as lógicas do momento, a lógica do grupo, da História, do povo, do estado, da “formação social” [não há correlação: quando há, não temos literatura, mas mercadoria, moda, Literatura, suportes alegres y imóveis do real], mas aquela q nega qualquer lógica, qualquer corpo, qualquer forma: a forma da literatura é virótica, é relacional, hipertextual: como não existe, mas se apresenta; como passa y não se finca; como seu ao redor também passa, as relações consigo mesma y com o ao redor tão sempre em mutação, em redefinição, sem nenhum sistema residual, nenhum solo, nenhum conhecimento estabelecido, nenhum texto canônico, nenhum contexto naturalizado y nenhuma cultura de suporte: daí porq é tão frágil, sendo capturada pela oligarquia das letras, mumificada, posta como boneco de ventríloquo nas pernas pedófilas dos oligarcas da Língua: mas aí teremos somente Literatura.

 

ii

 

*. o mundo é uma medusa: só pode ser tocado, morto, devastado ou compreendido através dum “espelho”: dizer ele diretamente como querem os realistas é fazer sempre seu jogo, jogo perverso de espelhos postos por quem pergunta y por quem responde: só podemos matar o mundo sabendo isso: só podemos conversar com ele sabendo isso.

*. ?o q existe, existe mesmo. ?existindo, como vivemos, sabemos, sentimos q existe o existente, como existe esse existir. qualquer resposta é interna ao sistema de perguntas: jamais um dizer uma exterioridade em-si.

*. ?a percepção taria na ordem das idéias ou na ordem do mundo. ?como perceber sem pensar: perceber sem ta numa confluência imaginária onde o tempo (instância imaginária y simbólica suprema) seria o norteador. ?como perceber sem relacionar cada elemento com outros: signos sobre signos: entregue as redes pensamos y vivemos o mundo: o q percebemos é o entre-nós [aquilos q construímos, mantemos, reproduzimos, justificamos, praticamos, classificamos, valoramos, cremos]. sem eixos y limites não há o ser [só devires]; o ôntico é decorrência do pensar: pensar é ta dentro dum campo produzido, sustentado y em devires jorrando do próprio com-viver: o tempo é o próprio entre-nós.

*. a realidade é a imaginação social em constante transformatação: é o caos domado, amordaçado, posto a disposição, eliminado pelo tempo sendo dimensões bem além do aqui, fluindo em sentidos exatamente pela polidimensionalidade do nosso existir.

*. imaginação não é exercício do inexistente, mas a manutenção do existente no centro da existência. a imaginação social [fluxo vivo de crenças, rituais, práticas, simbolizações, classificações, imobilizações] y os incontáveis jorros em redes temporais individualizados y grupais é o real.

*. todo “conhecimento objetivo” é tão somente conhecimento esquecido de suas condições: estarrecido diante de si mesmo, de suas projeções sociais, pessoais y grupais.

*. a navalha de occam: entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem: não multiplicar entes sem necessidade: o entre-nós é excessiva multiplicação q esconde as fontes: criando o tempo y seus fantasmas: a exterioridade é fonte fantasma do entre-nós. mas nada disso é “mental”: o real é real exatamente por sua forma de existência: não é operação intelectual, mas dimensões vivas do entre-nós: criamos com o tempo nosso lócus, nossos campos de existência y resistência: relações, rituais y linguagens de poder: o imediato do presente não é exterioridade nua, mas jorros de desdobramentos temporais q criam y mantêm o significado de tudo ao redor: o entre-nós é o q formata do caos: não há um “ser”, uma “fonte”, mas devires domados.

*. não há o sujeito q conhece y o objeto a ser conhecido: sujeito y objeto são postulações do conhecimento na medida da sua existência: sem eles, sem causa y efeito, o pensamento escorrega em suas próprias ilusões, principalmente em seus desvios de totalidade monstruosa em-si: fora da individualidade y do entre-nós, fora do tempo, caímos sempre nas projeções imaginárias da coletividade y da individualidade: y pensamos sempre tarmos no real mesmo, aquele q nem um deus conseguiria satisfazer [mas q muitos exigem como suporte: o deus invaginado, deus epistémico, q se tornou fundamento invisível, como cabe a esse deus ex maquina, de toda visão científica y filosófica sobre origens, exterioridades, fundamentos, reais sem presença].

*. a linguagem não é o suporte do ser: essa é uma explicação: a linguagem é um dos momentos explicativos do devir, mas não esgota absolutamente nada: tudo pode ser linguagem somente porq esqueço q essa também é uma noção.

*. essa é essencialmente questão ético-moral: sem natureza, sem deus, sem sociedade como instâncias supremas em sua totalidade (o desejo das ideologias); sem instituição q garanta a eticidade ordeira do indivíduo (igreja, escola, família, estado); ?sem o real como organização estabelecida por algum poder regulador, como pensar a ética: ?y porq a ética deve ser pensada a partir dessas mega estruturas imaginárias como se fossem reais em-si. pensada a partir dessas projeções como se fossem eternas ou eficientes, a ética tem sido somente ilusão desnecessária: bela y elegante na teoria, mas impotente na prática [fantasma cristão]. basta ver os socialismos reais y seus mortos, os cristianismos reais y seus mortos, os liberalismos y seus mortos, as democracias y seus mortos: y as torturas, os apartaides, os racismos: a ética fundada nas eternidades do real é mais periculosa do q o nazismo (eixo cristalizado y exposto da cristandade) y mais inútil do q o sexo dos anjos. a ética deve buscar na singularidade sua base: viver y fazer viver não por um estado, por um deus, por uma lei, mas porq sabemos cada um o quanto dói o desrespeito a essa coisa q somos nós y a aquilo q podemos ser. a ética tendo a singularidade como eixo y fim, como meta de todas as lutas, todas as normas, todas as fórmulas, todas as leis, todas as revoluções. a singularidade, mesmo aparecendo como “secundária” pras teorias, pras explicações, deve aparecer como “primária”, fundamental, essencial, pois é assim q se processa o existente mesmo nas manadas, nos formigueiros, nos cardumes.

*. a imagem y a coisa, a cópia y o original, a representação y a realidade, a aparência y o ser, o profano y o sagrado fazem parte do mesmo “holograma” q é o real, dos mesmos sistemas em movimento, contato y troca: tudo ta sempre “dentro” [só há a tribo, suas “traduções”, “conhecimentos”, “destruições” com o “fora”]. não há real y espetáculo, não há personagens y pessoas, não há o “diretamente vivido”, contato imediato com um real-mesmo, exterioridade crua q existiria até mesmo sem ninguém [o deus invaginado permitindo o sem-presença pruma imaginação ingênua: tamos sempre dentro do “programa social” q cria, reproduz y mantêm nós mesmos y o real numa mesma rede virtual: somos ele enquanto somos nós: nossas atividades vitais, nossos fluxos, o entre-nós, é o existente: além da tribo somente os imaginários, as negociações com outros existentes, as “outras tribos”, q são incluídas numa totalidade chamada “humanidade” somente por delírios de conquista, perversidades da teoria y deformidade da tradução]. não há afastamento do real em detrimento dum espetáculo: o próprio real é teatro, é espetáculo, é virtualidade: toda crença, toda percepção, toda descoberta, toda noção, toda visão de mundo são efeitos “internos”: isso não faz “desaparecer” o real, não torna ele “subjetivo”, “idealista”, mas plástico, vindo dos processos vivos do entre-nós y das individualidades, dos sistemas de crença y presença, do tempo enquanto dimensão q permite esse descomunal holograma vivo.

*. as imagens, os conceitos, os pré-conceitos não se desligam, não se separam, não se autonomizam, mas se fundem numa unidade q é o real, q é a unidade da vida [conceito específico dessa tribo: “valor supremo” apenas pra determinada perspectiva]. todo “mundo à parte” é parte do mundo [o mundo é a tribo, não todas as “tribos”, pois até essa palavra só pode dizer respeito a “nossa”], isto é, da virtualidade: nada ta fora y todo fora é dentro por mais fora q pareça: só há o estômago do monstro.

*. o espetáculo é a “sociedade”, não parte da “sociedade”: até mesmo a “sociedade” é projeção viva de si mesma, sistema de compreensão. olhar do espetáculo não é não ver, mas poder ver a “sociedade” em sua fundação, em sua matéria, onde o espetáculo midiático é somente um dos seus momentos.

*. as “relações sociais” são imagens em fluires, em dispersão, em redes meditizadas por feixes de crenças, de linguagens articuladas, de enganos determinados, de má-fé y poderes bem localizados, de traduções y convenções imperceptíveis, mas atuantes: o fluxo é perverso [a Literatura, ao tratar diretamente com a palavra y se inserir y provir de relações de força y poder, não é nem inocente nem impotente: ela atinge profundamente o real].

*. a realidade como tecido polidimensional, multisignificativo y hipertextual é “visão de mundo”, q é sempre presentificação, exposição, rede de crenças tornada realidade, tornada efetiva exterioridade. não há uma realidade y uma “visão de mundo”, mas as “duas” são dimensões da mesma virtualidade.

*. o espetáculo não é “o resultado y o projeto do modo de produção existente” (o espetáculo seria somente sub-produto do capitalismo), mas a forma de existência de qualquer conceito de realidade [toda “sociedade” existe somente em manifestação, em festa, em representação de papeis, em substituição da “coisa” pelo “ator”], como o próprio conceito de “modo de produção”: feixes, nódulos, dobras, torções discursivas num jorro de atualização temporal criando a “sensação do real” y do imediato: qualquer “representação” não pode ser separada das “representações” dos fluxos, das torções.

*. o espetáculo mesmo podendo y devendo ser combatido em sua manifestação naturalizada y universalizante, não pode ser “destruído”, isto é, o real não pode deixar de ser espetáculo, aquilo q é pros olhos, é representação, é substituição. nele nada é “irreal”, mas o próprio “coração do real” [esse dentro q é fora] na sua forma de existência. não há o irreal no “coração do real”: o “coração do real” é o irreal, entre-nós y o tempo: quase só imaginação [tempo] cercados pelos efeitos imediatos dessa imaginação [isso não vaporiza o real como temem os covardes do devir, mas atinge sua dimensão existente: assim podemos revolucionar não somente o imediato (politicidade), mas essencialmente o tempo (revolução), q é a grande forma da existência: sem revolucionar o tempo o imediato continua in-tacto].

*. a “irrealidade da sociedade real” não é a “informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos”; não é a “sociedade de consumo” dominante enquanto produção y mídia: isso deve ser combatido na sua medida; mas a irrealidade constitutiva é o q permite não apenas a “sociedade de consumo” y a mídia, o espetáculo em seu sentido restrito y interno, mas na “dimensão ontológica” [nas malhas do devir], logo política. a irrealidade do real é a arma contra esse mesmo real. enquanto o espetáculo midiático toma o tempo pro não esquecer imperativo, isto é, pra tornar ele impotente direcionando todas as energias pro consumo y gasto quase masturbatório (porq não goza), a compreensão do irreal do real aponta pra outra direção.

*. cindir imagem y real, sonho y vigília, festa y trabalho não é algo criado pela “sociedade de consumo” ou pela “explosão midiática”: sem fazer isso não existiria “sociedade”, principalmente porq não há nem jamais houve “unidade do mundo”, “totalidade real” q pudessem ser mutiladas, a não ser no cérebro dos “intelectuais burgueses” saudosos duma pretensa “aura”, duma exterioridade natural y em-si criada y habitada por uma argila insuflada.

*. o espetáculo não inverte o real: o real não aparece como espetáculo nem o espetáculo como real: essa “alienação recíproca” não é a “essência e o sustento da sociedade existente”, mas a essência do real em todas as circunstâncias q conhecemos. essa duplicidade, essa alienação y má-fé, essas reinversões onde o verdadeiro é o falso y o falso é o verdadeiro, atinge não somente a essência da mídia, mas do ser, q é sempre “tribal”, “social” y “histórico” em seus termos específicos (hipertexto monstruoso).

*. a visibilidade, a aparência q o espetáculo midiático torna possível não é “afirmação da aparência” ficando no lugar duma realidade mesma q seria sua vítima, a “negação visível da vida”: esse específico espetáculo além de ser dimensão fundamental da tecnologia, desvenda nosso real como tão somente efeitos duma mega encenação q chamamos real, mas q tem praticamente todo o seu corpo no tempo, isto é, no espetáculo imaginário de indivíduos, classes, grupos, Línguas, linguagens y “coletividades”.

*. a linguagem sempre foi as múltiplas linguagens dos espetáculos q são o real y o real é precisamente essas linguagens em devires, em torções, em práticas, crenças y rituais [não há literatura sem enfrentamento do horror (o real), sem q se compreenda q são partes do mesmo fluxo]. q, objetivamente, não poderiam jamais se apresentarem como “uma enorme positividade indiscutível e inacessível”, proclamando q “o q aparece é bom, o q é bom aparece”: o espetáculo midiático, coisa de feira y jardim de infância pode dizer isso, mas no espetáculo q é o real não há a passividade nem o monopólio da aparência: o tempo é a negação da aparência como único princípio: mesmo o imediato do presente [nossa única realidade: onde há a dor, o suor, o peso, a angústia, a doença, a morte, o trabalho, o prazer, o descanso, a fome, os dentes da fera y os artifícios do tempo contra elas] é densidade extrema q se desdobra sem limite: a ínfima densidade é a q ao se desdobrar se torna a “coisa mais densa do universo”.

*. o “mundo real” se converte em linguagem porqele é linguagem [caos formatado pelo entre-nós: redes vivas de forças y poderes em múltiplas torções] enquanto dimensões temporais [extensão do entre-nós], relações, compreensão, percepção, atuação, espaço: são essas linguagens q são o real enquanto mundo-nosso [essa tribo]: mas há um “comportamento hipnótico”, hipostasiado, onde o tempo das linguagens y as linguagens do tempo se descolam y nos parecem “natureza”, exterioridade, em-si, universalidade y matéria: porq suas feituras não são individuais, mas advêm do fluxo vivo do entre-nós, q não vemos, não tocamos, quase não vivemos nele: y os fantasmas voam por sobre nossos delírios.

* a “fraqueza do projeto filosófico ocidental” foi ter mantido esses fantasmas do entre-nós como reais, como instâncias verdadeiras fora da sua forma de existência [essa “fraqueza”, o holocausto, o nazismo, o horror, não são “momentos históricos” ou “especiais”, exceções, “involuções”, mas o próprio eixo da ocidentalidade em sua plena “normalidade”: o aparecer se dá somente por cristalizações q expõem o núcleo]: y lutamos a vida inteira, enquanto “coletividade”, “grupos” y “indivíduos”, com esses fantasmas como se tivéssemos lutando “contra o mundo”, quando tamos somente fazendo ele funcionar, se reproduzir, se retroalimentar, circular y negociar.

 

iii

 

*. literatura é entrar em guerra, é participar de táticas y estratégias, ideologias, políticas, éticas, morais, visões, posições teja ou não “consciente” disso: um estilo, uma história, um tema não são “universais neutros”, mas armas duma guerra determinada, de tomadas de posição, um posicionamento camuflado, aberto, livre, capacho, mentiroso, claro, dissimulado (com ou contra a “vida”), mas jamais neutro ou apenas literário.

*. à literatura não cabe, ou não cabe mais, instaurar qualquer tipo de identidade (sexual, racial, nacional, regional, tecnológica, lingüística), nenhuma mentalidade de proteção do existente, nenhuma forma de expressão q comungue com as formas do horror [“formas de expressão” sempre provisórias: momentos da luta, pois a tendência é serem devoradas y postas na roda de repetição y consumo: principalmente porq literatura não é “expressão”, mas pressão]. a literatura é luta contra o imediato y suas formas ideológicas y tranqüilizadoras: é reistaurar a vida naquilo q foi mumificado ou tornado mercadoria, mas não as “representações” ridículas dos palhaços da mídia ou os bufões das classes médias.

*. enquanto enfrentamento do horror a literatura tem q ta sempre abaixo do real [mesmo sabendo q não existe nada mais q a “pele”: tudo é a “pele”: nada mais espesso q a “pele” q é o imediato], no fluxo perverso q se articula além das aparências [o horror se espalha no tempo y jorra episódico, cíclico, fragmentar, repetitivo, puctual, formatador no imediato: o horror é o “eterno retorno do mesmo”: a vontade do horror, a vontade de nada, niilista, se “traduzindo” em idéia, em ins-piração: o horror deseja-ser, o horror se apresenta como cíclico, retornador, reprodutivo, sempre clônico, replica-dor do mesmo pro mesmo-outro, o monstruoso desejo do mesmo em suas formas mercadológicas y ideológicas]. no diapasão, na freqüência do “real” (aparências no tempo) se instaura as linguagens da aparência (História, Sociologia, Antropologia, Jornalismos, Memorial).

*. a literatura é uma “mediação simbólica” tendo o horror como sua meta, seu horizonte. sem ela/ele o horror permanece disperso, inalcançável, sem forma, sem acesso em sua própria medida: a literatura dá forma, consciência, objeto de luta y resistência. a obra é “ato simbólico” q é posição política contra o horror: a literatura ta sempre à espreita, sempre tocaiando o horror.

*. o alegórico contra o grotesco, não o alegórico somente “história”: enfrentar o grotesco é função do alegórico, sem o grotesco, é somente fabulação: o “grotesco alegórico” é a alma da literatura.

*. a literatura não projeta tempo y espaço, dentro y fora, como se construísse um mercado, estando nele ou fora dele, num momento ou noutro. quem gosta dessas marcações, desses lugares, desses tempos pacatos y domesticados, ou domésticos, é o escravo ardiloso (dolosus servus), o agregado, o funcionário público, o espectador, as “classes médias”.

 

iiii

 

*. as “fórmulas binárias” (Literatura/literatura, Língua/linguaingua, centro/periferia, Arte/arte, escritor/libertino, história/historicidade) são primárias y, normalmente, suspeitas: carregariam com elas a supressão, de q elas são a “imagem”, da falta de dialética [essa última salvação cristã na filosofia], historicidade y enfrentamento: mas no nível do confronto, da guerrilha, o não enfrentamento “binário” seria incorrer em subjetivismo [seria, na verdade, perder a historicidade q vale a pena, a força impositiva y guerrilheira da dialeticidade: a nítida compreensão dos “inimigos”], quando nessa “dimensão” a luta é, inda, entre o “bem” y o “mal” [se bem q há muito seja realmente “além do bem” y do “mal”]: q são “conceitos posicionais”: o “mal”, a culpa, é sempre do outro, o diferente de mim, a ameaça real (ameaça da lei, do servosenhor, conceitos naturalizados dos servos) ao q sou, penso, sinto: mas esse “outro” não é simplesmente outro, um outro qualquer, aquele q é temido y mau porq é diferente, estranho, estrangeiro, mas aquele “outro” q existe somente enquanto falsa positividade: ele é falso outro, não somente de mim, mas do poder, dos poderes, das ideologias, da hegemonia: falso outro q existe somente enquanto negatividade da positividade: é contra a vida em seu sentido mais profundo: é o q em mim, em nós, é contra a vida, a favor do horror: esse “outro” (a Arte, a Literatura) quando posto em guerrilha, mesmo em nível básico, em confronto com a historicidade (não com a História), a dialeticidade (não a dialética), a politicidade (não a política), com a negação radical, se descarna no q realmente é: ideologia cristalizada em “valores” vendidos pelo mercado, vendido pelas “famílias”, pela educação, vendidos por morais y éticas, vendidas pela Língua, pelo estado, “valores” da nação y da religião.

as dicotomias q investigamos (confronto: q é pessoal) deve ser superada em outros momentos da investigação mais geral (enfrentamento do horror, q se dá, no caso, dentro da “obra de arte”) y só superando elas em termos mais gerais, radicais y densos é q o horror pode ser enfrentado em outro campo: a dicotomia, as antinomias, devem ser enfrentadas em outro patamar: no ficcional, no artístico, não mais no “ensaio” [q é, aqui, luta pessoal contra fantasmas, impedimentos, razões, conceitos, idéias, estilos, tradicções, valores, interpretações, noções, visões, perspectivas se apresentando muito mais como um “testamento literário e filosófico” q uma guerra profunda], não mais como conceitos, noções, visões, ideologias, mas enquanto contradições cruas y cruéis do “ser social”: enfrentamentos “simbólicos” do real, contra o real, na medida in-exata do real: não reflexo de um real periculoso, resignado em ser reflexo ou reduplicação, mas resposta mutante ao horror, escapando do servilismo patético dos “escritores brasileiros”.

*. essas “dualidades” não são simples (nem mesmo nesse nível básico de luta): são forças múltiplas; relativas y cointensivas; opondo y resistindo, criando redes móveis y complexos linques, torções q mudam de tempo y lugar y se replicam com inesperadas forças; relações de afrouxamento y resistência, de poder y relaxamento. produtores de sentido por disjunções, simétricas y assimétricas, includentes y excludentes, ativas y reativas, sedutoras y ridículas, afirmativas das manadas y negativas da vida.

*. a ação das dicotomias são disjuntivas: separar a Arte y a Literatura das manadas da literatura y da arte como armas de luta contra o horror. sem essa disjunção básica [longe do tudo igual, longe da pastosa “democracia” (a forma mais acabada de fascismo: a “ocidentalidade” y sua franca nazificação im-perceptível: o horror q se alastra), longe das mesmas palavras usadas pra coisas completamente diferentes q tornam impotentes o pensamento y a ação, restando somente o desejo y o ímpeto desejante do consumidor] tomaremos sempre um “conjunto”, uma “unidade” doente, cancerosa, como aquilo q enfrenta, aquilo q desmonta, q dissolve, q avança. as forças produzidas pela oligarquia das letras são reativas, “negativas”, passivas y apassivadoras, conservadoras, estatais, formatadoras y mantenedoras das manadas y cardumes, rebanhos da produção y do consumo [Literatura y Arte como especiarias dos letrados pra “educar o espírito”, pra saciar individualidades “compro-metidas”]; as forças produzidas pela arte y pela literatura são “positivas”, enfrentam o horror, exigem o confronto interno, atingir o horror em seu jorro y procriação.

*. não podemos esquecer q todo existente são variações do mesmo, o mesmo em suas possibilidades y des-limites: recortes produtivos no caos: a diferença, o outro, a dialeticidade, são tão somente reapresentações do mesmo. nos cabe a luta contra o mesmo q resseca, q impõe a manada y suas idéias, formas, crenças, como universal y valor [dizer sua “aldeia” não diz sequer sua “aldeia”: nada de universalismos nem regionalismos: formas monstruosas do não dizer, não enfrentar: auto-canibalizações]: tudo q diz “sim”, porq camufla q é um “não”, é perigoso y imobilizador: é o mesmo conformado em ser somente o mesmo mesmo.

 

iiiii

 

*. a literatura y a arte ou se tornam “hermenêuticas”, ou jamais sairão da paralisia medusiana do mercado y da hegemonia.

*. o enfrentamento do horror q é a literatura não busca encontrar uma saída ou produzir uma solução: não cria uma ponte entre as partes, não resolve no imaginário, no simbólico, artístico-literário, criando uma utopia, o q no real do imediato não se resolve, não permite mediação, não cessa, não arrefece: na literatura o horror não é apagado, sublimado, superado [não há dialética na literatura, mas dialeticidade: não método, mas devir in-contido]: a literatura não esconde sua pulverização, sua ação alegórica sobre o grotesco q é o horror, sua im-potência diante do horror do y no imediato, o horror q, no tempo (seu lócus privilegiado), “cria” interpretações, produções, contestações, interpretações y medos, angústias, sofrimentos. o horror não se torna personagem, história, psicologia, estilo, gênero, não se torna imaginação ou fantasia: ele flui, estoura, se liquidifica, faz doer, tortura y mata: ele é, antes de tudo, forma y ritmo, perspectiva y atitude. o horror “não se apresenta verdadeiramente como definitivo, mas apenas como uma horrível lição”. o horror é enfrentado, não hipostasiado; historicizado radicalmente, não cristalizado pra se tornar “objeto”; trazido do tempo pro campo do imediato: politizado.

*. a literatura não serve comida y bebida em cada página: seu enfrentamento cria desertos onde a ideologia plantou lógicas distantes da historicidade, da mudança, das mutações, das negatividades radicais: gordas y luxuriantes vegetações dos letrados q se tornaram familiares, comuns, esperadas, exigidas em qualquer Literatura: minar essa “familiaridade do inautêntico” (a familiaridade do idêntico), esses códigos naturalizados, profundamente mineralizados pela educação, pelas mídias, pelo convívio em “favor” duma autenticidade violenta, ácida, negativa na sua mais íntima resistência.

*. a literatura é uma experiência filosófica entre a “consciência de mortalidade” y o terror da aniquilação iminente q deixa aparecer a “trama negativa” do horror q aniquila a vida, apodrece a vida nas teias da vida: a literatura é uma fúria contra a “fúria de parecer vivo” das coisas, das forças destrutivas, dos poderes necrófilos, da exploração, das infinitas humilhações.

*. enfrentar o horror não é testemunhar um estranhamento, mas a normalidade, a intimidade, o cotidiano em suas teias monstruosas (essas mesmas q fazem y são a vida).

*. transformação dissonante dos códigos, atingindo a própria linguagem literária, desautomatizando a linguagem, a Língua, a comunicação, a relação cristalizada entre a escrita y seus leitores congelada na gosmenta apresentação do tempo idealizado y apresentado como aparência. desautomatizar a percepção, a forma, o movimento, as articulações entre as palavras, as frases, os sentidos. atingir a palavra vencendo o lugar comum, o molde, as relações estabelecidas entre significados y significantes, destruindo as fórmulas, os modelos, as fôrmas literárias. sem essas destruições não há literatura.

*. a Literatura corresponde a uma política, uma moral, uma ética, uma filosofia, uma religião, uma nação, uma Língua, uma aparência: Literatura: ideologização como aparência (só existe a aparência: a pele sobre o caos: nada mais profundo q a pele), reforço ideológico: a literatura exige a forma guerrilheira (forma épico-menipéia), terrorista. sem submeter a Língua a uma guerra sem trégua [toda infecção começa de dentro pra fora] não se chega à literatura.

*. a literatura é o q se aproxima por haver se distanciado. o longe q entra. é o enfrentamento q faz a literatura, não a escrita, a fábula, o tema, o gênero.

*. a literatura é o q se insurge contra a gramática da “aparência” enquanto escrita. a semântica dos sentidos, do cotidiano, do mundo do trabalho visível em suas concretudes, em sua obviedade gritante, esconde, camufla, nega o horror, pondo no lugar o já-sabido, a opinião, o estilo, o esperado, a obvia interpretação, os esperados atores, as necessárias ações, os precisos códigos do gosto, do entendimento, da tradição y da Língua.

*. só a literatura poderia ser lida: a Literatura já é expressão de códigos conhecidos y esperados (sem isso a Literatura não se realiza): a literatura como confrontação y enfrentamento torna a leitura uma descoberta, um ler-ouvir o outro em sua outridade radical: na Literatura só se lê o mesmo em suas séries infindáveis. a literatura não reflete de volta ao letrado-leitor sua própria imagem: não encontrará a “Beleza” q procura, nem a Língua, muito menos a sentimental condescendência com todas as suas crenças de besta cristã, classe-média, brasileira, ocidental.

*. sem a submissão ao tradicional, as estruturas da “aparência”, aos jogos esperados do mesmo; sem ratificar o encadeamento Língua: oligarquia: hegemonia: Literatura: educação, a literatura libera todos os outros do mesmo, todas as sombras da luz, todas as possibilidades eliminadas dum viver social segregacionista onde somem multidões inteiras, populações y lugares da convivência dos letrados, somem as singularidades livres.

*. a literatura é enfrentamento do passado enquanto aquilo q jorra aqui em inumeráveis fontes vivas y potentes: o presente enquanto campo largo do imediato é a marca da literatura: o futuro seu inescapável furor.

*. a literatura ao instaurar a outridade enquanto diferença ontológica, não pessoal, multiplica o existente, faz falar o outro em sua dimensão de negação, em sua inversão de valores, aquele q toma o fim como princípio.

*. literatura tem muito pouco a ver com “escrever bem”, gramaticidade, beleza, virtude, mas com autenticidade no enfrentamento, violência no desmantelamento, furor na exposição do q se camufla y se dispersa, rigor na reflexão negativa.

*. assim como o horror são os poderes do inumano, a literatura é poder contra o horror.

 

iiiiii

 

*. sem um confronto aberto, interno, extensivo, teórico, filosófico, político y literário; um medir forças y uma infestação violenta, a literatura não pode singularizar seu movimento, q nasce de dentro da Literatura, assim como a arte nasce de dentro da Arte.

*. a infestação é apagamento, dissolução, inversão, recolocação, reescritura, enfrentamento negativo onde se põe à prova a Língua, a Literatura, a hegemonia, o imaginário letrado da oligarquia das letras, criando um outro lugar, outro espaço, outra posição fundamental, outra imposição de sentido, outro princípio, uma ordem invasiva y re-positiva.

*. sem uma confrontação radical o escritor não se torna libertino, a Literatura não se transforma em literatura, Arte não jorra em arte: o confronto é a única maneira de nos conhecer y conhecer as formasforças do horror. devorando as formas do horror y vomitando sua inversão essencial, outra ordem negativa aparece.

*. o confronto inicia por dentro, no minúsculo, no menos, no quase nada, impondo sentido y significados outros: a palavra deve ser atingida em seus vícios [tanto os dos servos dos servosenhores quanto os das manadas, das instituições, dos mitos, das histórias, das geografias, das culturas], metáforas, preconceitos, ritmos, sentidos, ordens, razões, lógicas, lugares, personas. assim como a mais elementar relação entre as palavras, as frases, as imagens, os conjuntos maiores de idéias. o poema, o conto infectados, invertidos, pervertidos; romances, peças de teatro reescritos a partir da outridade, da negação, da inversão, da invasão, da substituição, completamente fora da “lógica do leitor”, fora da sua perspectiva-expectativa, contra elas. a literatura, no tempo da confrontação, no enfrentamento do horror, nasce como moscas do cadáver infestado, apodrecido, aberto ao outro q sou eu em minha singularidade radical. a literatura não se instaura com “talento”, “boa escrita”, “tradição”, “respeito”, “genialidade”, mas é superação em guerrilha virótica q não quer chegar y não pode chegar a se “satisfazer”, se realizar: sua ação não se “realiza”: essa literatura, a q desenvolvemos, é somente o primeiro movimento da literatura, sua ante-câmara, seu fundamento, ou não será.

*. o confronto, q se dá enquanto de-cisão, por escolha do enfrentamento, é a luta contra a hegemonia, a estrutura simbólica, a oligarquia das letras, a Língua, a tradição (na verdade, contra todo o universo das manadas, dos cardumes, dos fantasmas, dos insetos, dos vermes). sem a destruição profunda da Língua não haverá criação (literatura). confronto como forças postas em luta é poder destrutivo.

*. literatura é essa grande respiração q nasce do mais íntimo da vida, sendo sempre a própria vida, a maior liberdade q a força de viver, de sonhar, de desejar pode propor como aliança essencial. tudo longe demais do universo carcerário da Língua, do lócus de inspeção, da oligarquia ressentida das letras [criada y mantida pra exaltar, refletir, ajudar, servir, modelar a Pátria, a Língua, pelos agregados, pelos funcionários públicos, pelos escravos libertos, sob a força doente dos servosenhores]: escritura, falsa, dos fracos, dos periculosos, dos ressentidos. feita pra servir ao servosenhor (estado, igreja, tradição, família, propriedade, senhor, Língua), jamais pra combater o horror (quando muito lutas litero-políticas, litero-jornalísticas contra circunstâncias). nada q eleve a vida y ponha ela no centro [o centro da literatura não é um país, um povo, todos os países, todos os povos, o planeta, a escrita, o logos, a tradição, os costumes, a Literatura], mas o centro da vida, seu mais essencial eixo: o horror.

enfrentar o horror é, ao mesmo tempo, contradição necessária, exaltar o horror. essa compreensão é inescapável. o horror é aquilo contra o q se deve lutar y, também, a própria essência da vida, q não é nada idílica, pacata, cristã, leve y solta. o enfrentamento do horror é tão forte quanto a vida, usando suas forças impositivas, suas energias, sua fome, sua loucura desmesurada por mais y sempre mais. desvirtuar o eixo pra alcançar o eixo. o confronto contra o horror é o enfrentamento da vida enquanto desvirtuamento da vida na medida da vida (sem as idealizações próprias do horror): usar a força monstruosa da vida (nossa força usada contra nós mesmos como se fosse uma coisa externa, um em-si metafísico, uma natureza, um real) contra o monstruoso da vida, naquilo q atinge a própria vida (isso q é criado por nós, monstruoso por nós, sobre nós, contra nós). as formas criadas pelo horror como biombo são sempre biombos inofensivos: a Literatura é um desses biombos. um biombo entre nós, q somos o horror, y nós mesmos, nos torna vitimas de algo q não-nós, nos torna fracos, presas dessas forças q não aparecem pra serem enfrentadas. a “boa escrita”, o “bom estilo”, a “boa Literatura”, a “boa Língua”, tanta bondade, tanta maestria camufla, reduz o horror a ser somente Literatura.

*. a “filosofia da gramática” portuguesa, sua alma, sua tendência, sua força, nasce da necessidade de esconder, camuflar, inverter, abafar, dissolver qualquer alteridade, qualquer negatividade radical [aquela q vindo das raízes se torna positiva enquanto o horror aparece como negatividade contra a vida]: essa solidez servosenhorial, estatal, religiosa articula y sustenta a própria lógica gramatical, sendo seus fantasmas vitrificados: é seu suporte y, por isso, faz parte dos processos coloniais, inquisitoriais, hegemônicos, nacionalistas, imperiais, republicanos, estatais, educacionais (faz, por isso, parte das manadas y suas forças y poderes repressores y conservadores y modeladores). não é uma gramática qualquer [não é uma Língua qualquer, uma Literatura qualquer: suas extensões periculosas inda precisam ser avaliadas mais profundamente], mas a q impede desde muito dentro a dissolução radical de si mesma [só uma Língua pode ser suporte duma guerrilha contra si mesma: os revivais regionalistas como os de rosa y outros são somente exercícios da y na Língua: a Literatura brasileira y as “portuguesas” vêm da Língua, instituição império-colonial, como “missões” da Língua: missões do “estado” y da “ordem”], do pensamento fundada nela y na ação criadora de refundamentação y reimpressão de sentidos.

*. uma literatura q se plasme (texto, hipertexto, ficção) num processo de enfrentamento do horror, a partir do horror, tende ao agramatical, ao in-corpóreo, ao anti-lócus, ao i-lógico, ao alógico, ao atmos-férico: exige leitura com múltiplos suportes de imaginação, de pensamento. é confronto diferente a cada palavra, imagem, idéia; frase, parágrafo; sentido, significado, significante: fragmentos y conjunto. a dispersão, a pulverização ontológica do horror, seu “caráter” parasitário, torna, “ontologicamente”, o hiper-texto “equivalente” ao horror: q não se torna “história”, “tema”; o “narrador” se pulveriza não por modas, mas porq sua “matéria”, aquilo qele persegue, cristaliza, “amarra”, são teias vivas em provisórias existências ondulatórias. se o leitor (essa coisa desejante do mercado y das manadas) não pulverizar sua leitura y ao mesmo tempo reunir imaginária y gnoseológicamente o texto, não haverá compreensão (disjunção absoluta de valores, de interpretação, de imposições diferenciadas de sentido picada em mata fechada), q só virá como simulacro em segundo grau do primeiro enfrentamento, o q articulou o horror em hiper-texto (mas essa articulação é na medida do horror, não da gramática, da lógica, da razão, da Literatura).

*. a Língua no imediato são fragmentos sobre fragmentos: sem o entre nós, q é o “mundo” [por isso ser contra a Língua é ser contra o Brasil, os outros, o mundo], o imediato y a aparência, sem os jorros vivos do tempo, não ordem, não há modelo, não há sistema, não há estrutura: o conjunto só pode funcionar articulado: solto derrapa em ruínas ridículas y teorismos impotentes: a Língua como estrutura, a linguagem como sistema, só funcionam nas subjetividades gramaticais, lógicas. Fora dessas forças derrapa, precisando de teorias de suporte q substituem o entre-nós, as historicidades, os vazios, as contra-forças, o horror. as “coisas”, a gramática, a fala, a escrita, a lógicas, a razão, o “mundo”, só se articulam porq o entre-nós faz jorrar os sentidos [nossa força negativa só se expressa através do horror y ele somos nós], as pontes indevidas, ilógicas, monstruosas, as múltiplas redes vivenciais, mas q são o viver, o continuar, a comunicação, as traduções: a literatura vive perfeitamente bem no “vapor barato” desses entremeios.

*. os leitores da Literatura são formados pela família, pela religião, pela educação, pela mídia (sempre como aceitação, normalidade, cristalização, naturalização) pra manada: o leitor já ta criado quando o “livro” aparece diante dos seus olhos de consumidor; os leitores [na verdade y necessariamente hiperleitores] da literatura não existem: eles “acontecem” em buscas exclusivas, singulares, onde o livro é um instrumento, uma arma de fogo, um campo de luta: o hiperleitor é criador: ao usar a literatura como arma contra o horror, instrumento de suas batalhas, faz com q a literatura se faça poder, em sua força de possibilitar o confronto. mas tanto o libertino quanto o hiperleitor são apenas duas possibilidades de existência num universo cada vez mais fascista, cada vez mais centrado num umbigo terrivelmente apertado.

*. o leitor é um medroso: teme até se masturbar y masturbar. a literatura se faz com o corpo, pro corpo, pro gozo, pra violência dos encontros, pra destruição, pra mu-dança pros devires, pra orgia, pra devassidão, pros “abismos da perfeição”: a literatura ou tem como alma a libertinagem ou não é nada: o coroinha leitor não ta no centro da “obra”, não pode ta nas bordas, não pode ta nem no “começo” nem no “fim”: não é pra ele q ela existe [ela é indigesta pra barriguinha dele]: ela existe como extensão viva do corpo, das batalhas, do suor, dos espermas, dos mênstruos, dos estômagos, dos pulmões, dos corações, das loucuras, das paixões, da carne viva y do sangue espumante do libertino pra libertinos [a literatura é essencialmente pra ninguém: seria pro libertino, mas ele já não precisa dela a não ser pra saber, pra sentir, pra confirmar o qele é, faz, sente, planeja, destrói]: o mercado é apenas o falso prostíbulo onde se comerciam as prostitutas destroçadas pelo gosto das manadas: a “obra” atravessa esse falso prostíbulo y dele é resgatado por libertinos q levam ela pros legítimos prostíbulos, onde serão devorados com todas as fomes do corpo. y envenenar: a “função da obra” não é curar, “purificar a alma”, ensinar, entreter, formar, informar, purgar, “livrar do pavor e da compaixão”, mas envenenar, violentar de dentro pra fora, corromper, inverter as entranhas, fazer gozar nos prazeres indecentes do devir, criar corpo, músculos, tendões, ossos, cartilagens onde inda é frágil, onde falta [o libertino é sempre in-completo: as manadas são sempre sólidas, minerais, imóveis, paralisadoras]: sem a descarga aristotélica q os “expectadores” precisam como substituto da coragem de criar, de se abismar y enfrentar o horror: nada y jamais a embriagues, o alívio, o “estado de plenitude”, o “mar calmo”, a elevação, o torpor, o repouso, a tranqüilidade, o esquecimento, o “direito ao divertimento”: literatura não é fuga, mas enfrentamento, confronto, não é recreação, mas obscenidade, porno-grafia, violência contra o q se é, contra o q se acha q é, contra o q é: devires contra o ser: literatura é uma das felicidades do libertino, um dos corpos qele infesta, transtorna, delira numa orgia deliciosa y única.

*. a literatura não dança pros leitores [ela dança sozinha ao som da chuva, dos trovões y do mar ao nascer do dia]: ela pode se abrir em devires y delícias apenas pros hiperleitores: como a literatura não busca ser compreensível, ser comunicável, ela só com-partilha com quem compartilha sua busca essencial, ela pode ser ou não escolhida por hiperleitores, os poucos q enfrentam o horror desde dentro, desde sempre [mas ela não é “feita” nem pra eles nem pra ninguém]: o hiperleitor não aceita as experiências, os saberes, os sabores, as vivências mais comuns: pra ele a palavra foi mais viciada q o “normal”, ta podre no seu milenar trotoar periculoso com os servosenhores, com os servos dos servosenhores, com as manadas y seus medos, suas paixão, respeitos, crenças nos servosenhores: seu caminho é outro: não é comunicar, mas inter-ferir na vivência, na experiência, na Língua, impondo as linguainguas como vírus provisório [q não se fixa numa obra, num momento da Língua ou num hiperleitor específico]: a literatura como busca de um hiperleitor seria uma “empresa fracassada”: se não fosse assim a literatura seria somente mais um “exercício literário”: ao encontrara o hiperleitor ela deixa de ser literatura, assim ele deixa de ser aquele hiperleitor: os dois se realizam, se tornam lixo, vão além [se demorarem demais o hiperleitor se torna um crítico, um leitor, y a literatura uma “obra” a ser destrinchada, coisa morta no matadouro das “letras”: a literatura não existe pruma “segunda leitura”]: ao correrem os riscos, aceitarem os devires: sem separar o leitor do hiperleitor, a literatura da Literatura, não é possível compreender como a mistura, a indistinção, esconde, camufla o “inimigo”, o horror: ao se tornar filosofia, religião, estilo, educação, formação, Literatura como positividades se esconde precisamente suas funções negativas (sociodemonazifascistacristão) nas manadas y cardumes socializados do mundo do capital [q as bestas-sacerdotes-revolucionários querem salvar messianicamente com “revoluções” democráticas, liberais, socialistas, anarquistas, cristãs]: o hiperleitor busca a literatura como arma essencial, possibilidade rara de respiração, não por “prazer”, pra “aprender”, pra se “formar” ou “informar”, pra alguma “aventura” de “segundo grau” ou quinta categoria: a literatura é a escolha de armas, estratégias, companheirismo: a literatura é um crime: o hiperleitor não é um segundo-autor, aquele q “dá vida ao texto” por ser um masturbador imaginário y arrependido: é um criador em sentido pleno, aquele q nega im-pondo novos sentidos: singularidade dançarina nos devires.

*. a Literatura brasileira não é uma força uniforme, mas tentacular, presa ativamente a outras forças, outros poderes, nas constantes atividades reprodutoras, conservadoras, consumidoras. não é alvo simples. mas sua “intensidade” é a mesma: sua força se liga a outras forças sendo todas de mesma intensidade: tudo se mantêm num equilíbrio monstruoso, doente, neutralizador de qualquer “diferença de intensidade” ou real multiplicação de forças. mesma intensidade, o mesmo do mesmo: a diferença é impossibilitada, silenciada. uma verdadeira pluralidade não pode existir [dentro da Língua só a Língua funciona, só a Língua se expressa: campo de força único com específicos y integrados donos, guardas, servos: fazenda, fábrica, governo, repartição, casa, presídio, manicômio: a Língua é um “campo” perverso onde somente as formas do mesmo podem existir]. mesmo se existisse seria invisível. seus “conflitos” são estilísticos, fabulares, regionais, aceitáveis (como as estripulias de um filho mimado), amortecidos como diferenciados ou acionadores de novos campos de força: são apenas temas de conflito, conflito de temas. nada ta “em luta”, não há nenhum “desequilíbrio essencial”: em todos os pontos impera o mesmo y as formas do mesmo, as forças do mesmo.

*. dobrar até quebrar y infestar devorando por dentro a Língua é atingir o servosenhor, os servos dos servosenhores, o escravo, o agregado, o funcionário público, o cidadão, a moral y sua religião entranhada até a medula da Língua, até o cerne da linguagem, até a essência da fala: desadoecer a Língua não é curar, mas matar a Língua: o libertino não é médico, mas envenenador: sua cura , sua positividade se faz contra y além da Língua.

*. a Gramática do horror (exercida em todos os planos, dimensões y interstícios pela oligarquia das letras) faz parte inextirpável da hegemonia, do real como um todo: o universo é português, o tempo é português, o espaço é português, o pensamento, o sonho, o ritmo, o desejo, a matéria, tudo é português [tudo é brasileiro demais: a Literatura é a nação cantando nossohino y suas variações]: a literatura como enfrentamento do horror inevitavelmente é a imposição de outras gramáticas, outros sentidos, outra linguagem, outro leitor, outra escrita, logo, outro mundo.

*. a vinculação da literatura com a gramática do horror é “ontológica”: não é episódica, opcional, aleatória, circunstancial, mas íntima y em todos os seus momentos, elementos, dimensões, torções y enfrentamentos. a literatura não poderá jamais se tornar “corpo”, “imagem”, mas sombras, “negatividades” [o q é contra as negatividades q se impõem como positividade aparecem sempre como negatividade], contradircurso, antigramática, guerrilha permanente: exaustão, repetição: como a Literatura é simétrica à linguagem, a gramática, ao real, a literatura não poderia se tornar a Literatura, mas ao mesmo tempo a Literatura não pode assumir a literatura: a Literatura y sua gramática, a oligarquia das letras y suas malhas, serão “sempre” os parâmetros de julgamento, a perspectiva dominante, o campo de força principal de onde emanam y são impostos todos os sentidos, valores, poderes.

*. eu sou a literatura: esse “eu” é fundamental como expressão da singularidade como per-versão, in-versão, positividade contra a negatividade dos servos dos servosenhores q destrói a vida, murchando o entusiasmo fundamental: esse eu, ilusão perversa do próprio horror, manutenção do mesmo apesar dos devires, luta sem trégua contra si mesmo, contra a conservação própria da linguagem: a literatura, diferente da Literatura, é uma guerrilha contra a comunicação, contra as negociações: a comunicação articula os fluxos das manadas, signos a serviço da estabilidade, da reprodução do mesmo y suas formas [a diferença só é permitida quando é mais uma variação inofensiva do mesmo: as formas, os ritmos, os estilos do mesmo são infinitos]: enquanto a linguagem, a Literatura, a Arte, todos os signos em-jogo, não “representam”, não há descanso, não descansam: sem a representação [sem o pano de fundo da natureza, da sociedade, da Língua, da classe, da região: sem os atores bem treinados em tipologias precisas: espaços y tempos pré-determinados] não há “decodificação”, não há interpretação: nada é visto, pensado, sentido: a literatura, assim como a arte y a filosofia, é um curto circuito, uma nadificação, enfrentamento do horror no centro da interpretação [literatura é interpretação: uma forma monstruosa y sutil de hermenêutica]: a não aceitação dos códigos y suas decodificações: a dissolução sistemática sobre o “reconhecimento da identidade”. na literatura não ta o reconhecível precisamente porq ela é articulação do horror: articular o desarticulado, o pulverizado, os fluxos, os campos de força, as atmos-feras dos eixos da ocidentalidade, é carregar pra “articulação” desarticulações, devires negativos q “caracterizam o horror”: por isso a literatura não pode ser “realista”, não é representativa: do q ela trata não ta no “real”, mas é enfrentamento temporal, imaginário, político, artístico, literário dos fluxos dispersos q atravessam o viver: o horror não existe antes da literatura como “realidade”, mas como “experiência”: redes sobre redes entre redes: o horror atravessa como ondas dispersas as redes provisórias de fluxos q entendemos como o real.

*. literatura é corpo: corpo vivo de máscaras, de segredos, de tecidos vibrantes, de óvulos, de singularidades em luta contra o impessoal, contra a manada y todas as suas crenças: corpo q não camufla o horror, não esconde as dissimulações nem de si: não simula o corpo, não reflete o horror, não reproduz as forças, o valor, os poderes: não oculta de si mesma seu lócus: literatura é o corpo pleno.

 

iiiiiii

 

*. a literatura precisa tornar sua a Literatura: uma intermitente releitura como reescritura devorante, infecciosa, virulenta, necrófaga, devorando o mole, o podre, o doente, o limitado, o medroso, o fraco, deixando o sólido, o forte, o resistente, o potente, o instável em suas dimensões de devir, de enfrentamento, de imaginação: no primeiro festim orgiástico, dionisíaco, orgástico da literatura tem como um dos seus principais alimentos a Literatura: somente o “resistente” é vomitado y isso fará parte da literatura: enfrentar o horror é, primeiro, devorar profundamente o horror (a cultura, a mídia, a Literatura): o positivo da Literatura só aparece na reescritura, na reinterpretação, no vômito: ele não existe antes como uma dimensão autônoma, mas como parte dos “atrativos da diversão”.

*. a Literatura brasileira é poiesis em baixíssima freqüência [poiesis = escrever bem = gramática = tradição = brasil = lócus de inspeção = oligarquia das letras: é peso negativo demais pra se tornar até mesmo uma Literatura]: tornada freqüência de funcionário público, onda de sabidos, a Literatura brasileira não suporta o digerir profundo inicial da literatura. como é principalmente “feita” com materiais fracos, é inteiramente deglutida, assimilada, não deixando resto (literatura). beckett, bernhard, büchner, conrad, dostoievski, ésquilo, homero, joyce, rimbaud, sade, shakespeare, sófocles, abocanhados y devorados pela literatura resistem, mesmo perdendo suas partes moles impõem partes inteiras, sentidos, palavras, frases, idéias, y se retorcem, gritam, esperneiam antes de se transtornarem em literatura.

*. a Literatura brasileira foi instituída, mantida, reproduzida, cimentada ao estado, a nação, a Língua por “seres do ressentimento” (servos dos servosenhores): o lócus de inspeção é a maior “construção literária” do ressentimento: os valores do ressentimento, as belezas do ressentimento, os poderes do ressentimento, os sentimentos do ressentimento, as formas, os ritmos, as relações do ressentimento: daí porq a Literatura brasileira não ser sequer uma Literatura, q, necessariamente se faz a margem da “cultura do ressentimento” ou leve y criticamente entrelaçada com ele. uma pretensa “insatisfação diante do real” é apenas pra espantar a “classe média” mais silvestre, realizar alguma misericórdia cristã, os tradicionais messianismos homicidas do século xx ou piedades politiqueiras.