OS SÍMBOLOS DO DISCO DE FESTO
“Enviou Belerofonte à Lícia com funestas credenciais. Deu-lhe tabuinhas dobradas nas quais havia traçado certo número de sinais misteriosos com significado mortal.”
(Ilíada; VI, 167)
INTRODUÇÃO
A única grande civilização conhecida pela história que não se utilizava da escrita como sistema de registro para seus cômputos foi a sociedade inca. Seu sistema de registro era elaborado através de fios de lã, chamados quipus, e que dependendo da cor dos fios e da posição e relação dos diversos nós, indicavam estes as informações necessárias à regência do império. As demais civilizações, inclusive ameríndias como os maias, ficaram dependentes das utilidades da escrita.
O sistema de escrita utilizado pela civilização ocidental, o alfabético, trouxe uma grande vantagem. Já não era mais necessário memorizar e utilizar-se de dezenas ou centenas de sinais que representassem os sons necessários para se formar todas as palavras de uma determinada língua, como na língua egípcia por exemplo. Vinte e poucos sinais tornaram-se suficientes para se suprir essa dificuldade. Sendo assim, a escrita e a leitura passaram a ser instrumentos de domínio também público, não se restringindo apenas ao âmbito e ao poder das elites religiosas e administrativas.
O que se busca neste texto além de uma possível interpretação dos símbolos cretenses de Festo, também é demonstrar que a passagem que se deu das escritas logográficas e fonográficas para outras formas mais simples, como o alfabeto que é uma escrita fonográfica segmental, aconteceu de maneira gradual e progressiva. Com essa afirmação tento esclarecer que o alfabeto não é um instrumento criado quase que pronto. Algumas características dos símbolos encontrados no Disco de Festo são similares a alguns símbolos hieroglíficos do Egito, além de possuir também uma quantidade de sinais suficientes para se fazer um paralelo com os valores fonéticos dos símbolos alfabéticos da escrita semítica.
Afirmo antes de tudo de que não se trata de um deciframento completo, rigoroso e ausente de futuras interpretações quanto à semântica lexical e sintática. Mas há no entanto, de minha parte confiança quanto à descoberta das chaves necessárias para a decodificação completa, se isto for possível, do Disco de Festo. Acredito que esse seja um primeiro passo que será perpetuado pelo conhecimento lingüístico e paleográfico de outras pessoas mais competentes.
O DISCO DE FESTO
Em 03 de julho de 1908, durante uma escavação nas ruínas da cidade cretense de Festo, foi encontrado por Luigi Pernier um pequeno disco de argila medindo 16 centímetros de tamanho e 16 milímetros de espessura (ver anexo I e II). Em ambos os lados haviam dezenas de sinais representados por figuras humanas, objetos do cotidiano, animais e plantas. Estes sinais eram separados em grupos pequenos divididos por linhas verticais, sendo ao todo 31 grupos de sinais no lado A e 30 grupos de sinais no lado B. Tudo indica que tais grupos de sinais encerram cada um o conceito de palavra. O que ainda não se sabe é se esse disco forma um texto, um calendário, uma relação ou outro tipo qualquer de registro.
A perfeição com a qual os mesmos sinais eram repetidos era tal que somente poderiam ser feitos com selos esculpidos cada qual com o seu desenho próprio. Se isto for realmente provado, Festo será considerado o local onde primeiro ocorreu as técnicas de tipografia.
O Disco de Festo foi composto com linhas espirais sendo divididas com linhas verticais. Há uma grande probabilidade destes quadros marcados por linhas verticais encerrarem cada um, uma palavra isolada. O disco comporta ao todo 31 “palavras” no lado A e 30 “palavras” no lado B. São ao todo 241 símbolos impressos, 122 símbolos no lado A e 119 símbolos no lado B. Mas a quantidade total de sinais sem repetição é de apenas 45 símbolos.
As ruínas de Festo se localizam no sul da Ilha de Creta, nas planícies de Mesara ao extremo leste do Monte Kastri. Festo foi construído no Período Proto-palacial (1900-1700 a.C.) da civilização minóica ou cretense (ver anexo III).
A CIVILIZAÇÃO MINÓICA
Para a maior compreensão da lógica de decodificação é necessário ter em mente algumas informações referentes à cultura e civilização minóica. Essa abordagem esclarecerá de forma racional e sucinta o método a ser empregado na referida busca. Não haverá a necessidade de citar pormenores, mas certas pontuações como as descontinuidades na escrita, na arquitetura, na cultura, na religiosidade e na etnia deverão ser essenciais.
Se fosse possível rastrear os povos que formaram a cultura minóica e localizar sua área original de dispersão para a ilha de Creta, talvez isto tornasse o deciframento do Disco de Festo um ato mais simples e mais prático. No entanto até hoje não se conseguiu este feito. Sendo assim, também não é possível decifrar as escritas hieroglíficas anteriores à escrita Linear A e Linear B. Diversas hipóteses situam essa imigração nas áreas costeiras do norte da África, além do Egito, Líbano, Síria, Ásia Menor e Grécia.
Segundo os dados arqueológicos Creta se fundamenta como uma potência marítima em torno de 1900 a.C. Esse é o período em que são construídos diversos palácios, inclusive Cnossos e Festo. O pioneirismo no comércio marítimo do Mediterrâneo foi o responsável pelo poderio econômico desta civilização e que seria impossível se a sociedade cretense baseasse sua economia somente na criação de gado e no plantio de uvas, oliveiras e trigo.
O arqueólogo britânico Arthur Evans ao ser apresentado por um comerciante grego a uma coleção de sinetes que portavam algumas inscrições em forma de rabiscos, prontamente se interessou por essa escrita enigmática e pela civilização responsável por sua criação e utilização. Sabendo que na ilha de Creta também eram encontrados sinetes com essas mesmas inscrições, partiu para a vila de Cnossos. Lá acabaria definitivamente encontrando antigas ruínas que ao serem progressivamente desenterradas por Arthur Evans, exporiam a mítica capital do reino minóico citada pelos gregos antigos, Cnossos. Essa cidade foi de acordo com a tradição grega, o palácio onde reinou um dos maiores governantes do período creto-micênico, Minos, a quem é creditado o feito de ter unido todos os pequenos principados da ilha em um único e poderoso reino, dando origem à primeira talassocracia conhecida na história da humanidade. A característica de ser uma região potencialmente propensa ao comércio marítimo com outras regiões do mediterrâneo sempre foi um fato presente na história minóica, mas não há registros arqueológicos de uma centralização política mais antiga. Se Minos foi uma figura histórica seu reinado pode ser situado em torno de 1500 a 1450 a.C.
Arthur Evans não foi o responsável pelo deciframento da escritar Linear B, mas foi ele quem durante suas escavações encontrou diversas tabuinhas de argila repletas de inscrições indecifráveis na época, classificando-as como hieroglífica A, hieroglífica B, Linear A e Linear B. Graças ao grande conhecimento que se possuía da civilização egípcia, foi possível traçar uma cronologia minóica satisfatória, pois as duas regiões mantiveram um intenso comércio durante séculos. Desta forma Arthur Evans dividiu os períodos que compreendiam a cultura minóica em três períodos: Minoano Antigo, Minoano Médio e Minoano Recente (ver anexo IV).
Graças a essa cronologia é possível traçar uma pequena linha do tempo da qual podemos retirar as seguintes conclusões:
Os primeiros palácios foram construídos em torno de 1900 a.C;
Houve uma ampla destruição dos palácios cretenses em torno de 1700 a.C. Tal catástrofe é atribuída a um terremoto, que é muito comum na região;
A partir de 1700 a.C. substitui-se a escrita hieroglífica pela escrita Linear A, que ainda permanece indecifrável;
A partir de 1500 a.C. os povos aqueus dominam o continente grego;
Em torno de 1500 a 1450 a.C. há a centralização do poder político em torno da cidade de Cnossos;
A Escrita Linear B é criada por volta de 1500 a.C. e utilizada amplamente também nas cidades micênicas do Peloponeso, no continente europeu;
Em 1450 a.C. acontece uma explosão vulcânica na ilha de Tera ao norte de Creta e a esse fenômeno é creditado a destruição de Cnossos;
Entre 1200 a 1100 a.C. ocorre a invasão dos povos dórios no continente grego e na ilha de Creta. A partir deste período cessam-se as escritas no Peleponeso e em Creta. Os povos gregos somente irão utilizar de um novo sistema de escrita, o alfabético, séculos mais tarde.
Também há uma cronologia mais simples e prática criada por Platon, na qual ele divide os períodos históricos da civilização minóica baseando-se na mudança e na evolução da arquitetura. Sendo assim os períodos são divididos em:
Neolítico (anterior a 2600 a.C.);
Período Pré-palacial (2600 a 2000 a.C.);
Período Protopalacial (2000 a 1700 a.C.);
Período Neopalacial (1700 a 1400 a.C.);
Período Pós-palacial (1400 a 1100 a.C.).
Os povos de Creta anteriores à invasão dos povos indo-europeus citados eram denominados pelos gregos como eteo-cretenses; os egípcios os reconheciam como keftiu; nas tabuinhas encontradas em Mari, na Ásia Menor, Creta é denominada Kaptaru; os hebreus a denominavam Kaftor. O próprio nome de Creta traz ainda essa associação: Creta = Kreta = Kpeta = Kapta.
A ESCRITA LINEAR B
Ambas as formas de escritas encontradas em Creta foram registradas em placas de argila. Diferente dos egípcios, os cretenses não se utilizaram da escrita pintada ou esculpida em baixo-relevo nas colunas e nas paredes dos templos e palácios. No entanto os demais registros poderiam ter sido escritos em papiro também, mas o clima da região, muito mais úmido se comparado às desérticas terras egípcias, não teriam condições de preservá-los. Além de tudo, as próprias tabuinhas de argila a que temos acesso atualmente só poderiam ter chegado às nossas mãos porque foram preservadas pela ação do tempo devido ao fogo que consumiu os locais aonde estavam guardadas. As tabuinhas eram utilizadas enquanto o barro ainda estava cru e talvez as informações destas tabuletas somente teriam valor temporário até serem transpostas para outras formas de registro mais maleável.
A decifração da mais tardia escrita minóica, a única decifrada até agora, é crédito de Michael Ventris, sem esquecer que fora auxiliado pelo filólogo John Chadwick, embora também tenham as tabuinhas passadas pelas mãos de outros estudiosos que também deram a sua colaboração. Evans já havia chegado à conclusão que as mais antigas escritas minóicas, as hieroglíficas, eram derivadas dos hieróglifos egípcios. No entanto o mistério residia no fato de não terem idéia sobre qual a língua falada na sociedade cretense. Seria indo-européia, semítica, sumeriana ou uma língua própria da região e que não tivesse relação com nenhum desses povos?
Em 1950 o norte-americano Emmet L. Bennett, publicou um artigo na qual assinalava diferenças entre a escrita Linear A e Linear B, embora esta última seja derivada da Linear A. Havia dessemelhanças que provava que não eram a mesma língua. Alice Kober estudara a escrita Linear B entre 1944 e 1950 e declarara que embora pudesse ser difícil descobrir qual a língua falada, mesmo assim poderia entender quais regras gramaticais ordenavam aquela escrita. Outras tabuletas com Linear B também foram descobertas fora de Creta, nas cidades gregas de Pilos, Tebas, Micenas, Orcômeno, Tirinto e Elêusis. Tal pista levou os estudiosos à conclusão de que a escrita Linear B era o registro de uma língua indo-européia, mais especificamente a variação de uma língua grega arcaica. Seguindo a indicação de Alice Kober, na qual ela isolara certas palavras na escrita Linear B, onde havia uma considerável repetição, Michael Ventris chegou à conclusão de que se tratava de nome de cidades. Com isso conseguiu isolar o nome de algumas cidades cretenses: Ammisos, Cnossos, Tilissos, Faestos e Lyktos. Ao descobrir os valores fonéticos desses respectivos sinais pode assim chegar à descoberta de muitos outros, formulando mais tarde uma tabela (ver anexo V). Descobriu-se que a escrita Linear B era uma escrita silábica.
A ESCRITA LINEAR A
Quanto à decifração da escrita Linear A, até o momento nenhum grande sucesso foi ainda alcançado. É possível detectar uma padronização nos sinais de Linear A próxima à escrita que a procedeu. Desta forma a opinião mais cabível é a de que ela seria também uma escrita silábica. Com a invasão dos povos indo-europeus, estes tiveram somente o esforço de se apropriarem do modelo Linear A e criar um conjunto de sinais fonéticos que representassem os sons das sílabas necessárias à transcrição de sua própria língua. O desafio maior é encontrar associações entre as sílabas desta escrita que possam levar à descoberta de uma língua, de uma família lingüística ou até mesmo de um tronco lingüístico aparentado. Se isto acontecer, haverá uma possibilidade maior de que este sistema de escrita seja decifrado.
Os povos cretenses anteriores à invasão dos povos aqueus e dórios, denominados por estes de eteo-cretenses, somente os associaram às línguas hoje em dia consideradas mortas. Heródoto relaciona os povos léleges, cários (povos insulares do Egeu); lícios, mísios, lídios (povos da Ásia menor); garamantes (povos do norte africano); tirrenos (etruscos) e tirsenos (povos da península balcânica), como originários da ilha de Creta, direta ou indiretamente[1].
A arqueologia e a paleografia têm demonstrado que muitos desses povos realmente se diferenciavam dos seus vizinhos indo-europeus. No entanto, diferente da língua indo-européia que levou à decifração da escrita Linear B, não se conhece, como já foi dito, nenhuma família lingüística a qual possa esse sistema de escrita ser comparado, em primeiro lugar porque não existem mais falantes e nem registros suficientes que possam esclarecer qual seja seu conjunto lexical e gramatical. Embora alguns desses povos utilizassem uma escrita alfabética, mesmo assim eram falantes de um conjunto de línguas hoje denominadas de asiânicas. Este termo não afirma porém que ambas as línguas pertençam a uma mesma família ou tronco lingüístico, mas que até o momento não foi encontrado em suas línguas um léxico, uma sintaxe que as ligassem a nenhum dos grandes troncos lingüísticos daquele período, isto é, o indo-europeu, o semito-hamítico e o sumeriano. Nada impede que estes povos também estejam relacionados aos povos do Peloponeso anteriores aos gregos e denominados por estes de pêlasgos (a mais plausível tradução dessa palavra seria “povos do mar”).
“Não posso dizer precisamente qual era a língua falada pelos pêlasgos. Mas, se é possível formar um juízo com base nas línguas remanescentes entre os pêlasgos habitantes da região acima do território dos tirsênios, onde fica a cidade de Créston (antigamente eles eram vizinhos do povo chamado atualmente dório, e naquele tempo habitavam a região hoje chamada Tessaliótis), e nas línguas dos pêlasgos habitantes de Placia e Cilace no Helesponto, que vieram morar entre os atenienses, e também nas de outras cidades outrora pêlasgas cujos nomes mudaram posteriormente, se – repetimos – é possível julgar por estas, então os pêlasgos falavam uma língua bárbara. Ora: se toda a raça pêlasgas falava tal língua, então os habitantes da Ática, sendo de sangue pêlasgo, também devem ter mudado sua língua na época em que se tornaram uma parte dos helenos. De fato, os habitantes de Créston e Placia falam uma mesma língua, que não é a de seus vizinhos, e eles evidentemente ainda preservam o caráter da língua que trouxeram consigo em sua migração para os lugares onde vivem.”[2]
O surgimento e o fim da escrita Linear A acompanha com uma precisão quase que total todo o período áureo da civilização minóica que vai de 1700 a 1450 a.C. Foi o momento em que houve o maior desenvolvimento comercial, tecnológico, arquitetônico e artístico de Creta.
A ORIGEM DA ANTIGA LÍNGUA DE FESTO
Há uma questão em torno do Disco de Festo, que pode muito bem estar formando um mal entendido na compreensão da história cretense. O Disco de Festo pode muito bem ser um artigo de uma cultura exterior à ilha de Creta. Foram encontrados na antiga cidade fenícia de Biblos caracteres semelhantes aos sinais do Disco de Festo. Segundo o estudioso de línguas semíticas, Maurice Dunand, estes símbolos representavam os sons da antiga língua falada em Biblos, o Proto-bíblico. A questão gira em torno de saber a qual povo atribuir a criação dos símbolos encontrados em Festo e em Biblos. No presente caso parece ser mais razoável conferir a criação desta escrita aos povos navegadores semitas do Oriente Médio. Deve-se no entanto dar espaço à possibilidade de haver os povos semitas formado ou influenciado os cretenses do Minóico Antigo, isto é, Creta pode muito bem ter sido o berço de uma civilização de etnia, cultura e língua semito-hamítica. Neste caso aparentada também aos povos egípcios.
Não é estranha a associação dos povos cretenses aos povos egípcios. Muitos outros interessados na civilização minóica já notaram semelhanças entre a cultura cretense e a cultura asiática e conseqüentemente também criaram hipóteses sobre quem seriam e de onde viriam os primeiros colonizadores que chegaram em Creta portando uma tecnologia essencialmente mais avançada, que os diferenciavam consideravelmente dos outros povos de cultura neolítica. Se o esforço de Heródoto ao traçar as supostas trilhas dos povos asiânicos como originários da ilha de Creta for realmente um fato, então há na história cretense uma grande seqüência de levas humanas formando esta cultura. Herôdoto conhecia a cultura e a língua dos povos egípcio, semitas e indo-europeus, sendo assim ele não teria tanta dificuldade em relacioná-las à línguas desses povos asiânicos, porém não o fez. Então será necessário comparar as informações que atualmente possuímos para poder, se for possível, encontrar o elo perdido entre a civilização cretense asiânica e a civilização semito-hamítica.
Segundo a arqueologia e a antropologia física, a ilha de Creta em seus primórdios de colonização humana, que foi recente se comparada a outras regiões, sempre comportou em sua grande maioria indivíduos mediterrâneos, isto é, pessoas que possuíam características físicas, neste caso o tamanho craniano, próximo ao dos povos semito-hamíticos. Possuíam estes indivíduos o crânio com um formato alongado, achatado dos lados, e que são denominados de acordo com a antropologia física dolicocéfalos. Essa predominância de indivíduos permanece entre o período do Minoano Antigo e do Minoano Médio. Porém a partir do final do Minoano Médio até o Minoano Recente inicia-se um aumento radical na proporção de indivíduos com crânios arredondados, denominados pela antropologia física como braquicéfalos. Se compararmos a tabela cronológica de Arthur Evans (ver anexo IV) podemos perceber que esse período de invasão de povos braquicéfalos se encaixa muito bem com o momento da destruição dos palácios minóicos, com o início do período áureo da civilização minóica e com o início da utilização da escrita Linear A. Esse período tem início em 1700 a.C. Isto talvez seja o ponto histórico aonde os proto-cretenses semitas perdem a sua hegemonia para os povos eteo-cretenses asiânicos, provavelmente associados aos habitantes das antigas colônias micênicas no Peloponeso. Se isto for provado, saberemos que a colonização eteo-cretense partiu do continente europeu.
A cultura de Creta também fornece forte indícios de uma colonização semito-hamítica, inclusive no âmbito religioso. Os cretenses não eram obcecados em reproduzir imagens antropomórficas de seus deuses como as sociedades semito-hamíticas, com exceção das imagens de deusas da fertilidade, conhecidas atualmente como deusas-mães. Porém preferiam utilizar em seus cultos símbolos específicos para seus deuses, que eram a coluna, o machado de dois gumes ou labrys e a pomba. Tais símbolos também eram utilizados na Ásia para representar os deuses dos povos semitas, mesmo que o machado de dois gumes não tenha perpetuado o seu apelo religioso por tanto tempo. O deuses representados pela coluna, pelo labrys e pela pomba era respectivamente o deus da vegetação Adônis (Dumuzi, Tamuz); o deus da tempestade Baal (Bel, Enlil, Teshub); e a deusa da fertilidade Astarte (Ishtar, Atárgatis, Hátor, Inana). Essa trindade divina formava os principais deuses da Ásia. Também era esta trindade divina um patrimônio de povos sumérios e indo-europeus, porém a representação através desses símbolos ainda é no conjunto própria das culturas semito-hamíticas. O detalhe interessante sobre o culto dos deuses de Creta está na figura do deus principal destes, Velcanos, repassado a nós pela tradição grega. Os gregos diziam ser este deus o equivalente ao deus helênico maior, Zeus. No entanto, embora fosse elevado a essa categoria, Velcanos não assumia o papel do deus da tempestade da trindade divina asiática, mas sim o papel do deus da vegetação, que morria e renascia todo ano seguindo o curso das estações. Seu local de adoração estava situado no Monte Yuktas.
A mitologia também fornece alguns dados possíveis para relacionar os proto-cretenses aos povos semitas. O mito grego de Zeus e Europa afirma que o rei cretense Minos era filho da união do deus Zeus com uma princesa fenícia chamada Europa. Segundo a lenda, quando Europa tomava banho no mar acompanhada de suas servas, de tal forma ficou seduzido Zeus pela sua beleza, que este conseguiu conquistá-la assumindo a forma de um touro branco que a raptou e a levou para a ilha de Creta aonde deu à luz a Minos[3].
A tradição hebraica refere-se da mesma forma aos povos filisteus como sendo originários de Creta ou Kaftor[4]. Os filisteus eram povos semitas litorâneos e é graças a eles que a região antes habitada pelos povos cananeus passou a ser denominada Palestina, isto é, terra dos povos filisteus, que em hebraico são chamados de pilistin. A tradição judaica, através de seus livros sagrados relacionam os primeiros cretenses como originários da região do Egito[5].
O Disco de Festo é datado também, como já foi comentado, em torno de 1700 a.C. Desta forma este registro será provavelmente um contemporâneo dessa nova conquista. O critério mais razoável para a decifração dos símbolos de Festo é a utilização e comparação de uma língua semito-hamítica já que sinais tão semelhantes também foram utilizados para registrar uma língua semítica, o Proto-bíblico.
Se realmente a escrita de Festo for de origem semítica, mais um paradigma surgirá. Os vestígios na arte e na religião cretense demonstra que eles eram tradicionalmente matriarcais e matrilineares, porém os povos semitas não possuíam uma sociedade matriarcal, pelo contrário, eram povos essencialmente patriarcais. Se o matriarcado instaurado em Creta e que podemos notar pela representação de mulheres atuando e participando de posições e de funções que em outros povos seriam de âmbito restrito aos homens, dois fatos podem ter acontecido então: a) a emancipação da mulher cretense pela necessidade de assumir os papéis masculinos enquanto a maioria dos homens exerciam o ofício de comerciantes e marinheiros; b) uma imigração de povos de estrutura social matriarcal entre 1700 a 1450 a.C. Mais uma vez a hipóteses de uma leva de povos asiânicos faz lógica. Estes povos, entre eles os pêlasgos e lícios são mencionados pelos escritores gregos como matriarcais[6].
OS SÍMBOLOS E SEUS CÓDIGOS
Observando detalhadamente os símbolos do Disco de Festo podemos perceber que alguns destes sinais também encontram similaridades com os hieróglifos egípcios (ver anexo VI e VII). Desta forma a hipótese de ser a escrita hieroglífica cretense derivada da escrita egípcia antiga não é infundada. A questão agora então gira em torno de saber se esta escrita é logográfica ou fonográfica.
Quando Champollion desvendou a chave para se decifrar o sistema de escrita egípcia, os primeiros sinais decodificados por ele nos “cartuchos” reais, possuíam valor fonético, isto é, cada sinal representava um som ou um conjunto de sons que através de ligações poderiam representar uma palavra inteira. Quando encontrou os “cartuchos” em que estavam gravados os nomes de Ramsés e Tutmés, cada um era representado respectivamente pela junção dos sinais “sol” + “trança tripla” + “cajados”; e “íbis” + “trança tripla” + “cajado”. Champollion conseguiu relacioná-los aos sons “Rá” + “M” + “SS” e “Tot” + “M” + “S”. A escrita egípcia não era então estritamente consonatal, silábica ou logográfica. Era antes de tudo uma miscelânea de sinais utilizados para representar idéias, sons e até mesmo um direcionamento contextual. Tal dificuldade em se ler e escrever em egípcio restringiu esse sistema de escrita à elite administrativa, mais especificamente aos funcionários escribas.
Há a possibilidade de ser os sinais do Disco de Festo apenas uma escrita logográfica, isto é, ela representaria numa frase entre outras as idéias do agente, do ato, do objeto, do tempo, do lugar etc. Por exemplo, se a escrita de Festo fosse logográfica poderíamos talvez lê-la associando os símbolos entre si. No lado A do Disco de Festo (ver anexo I), utilizando o primeiro quadro na periferia do disco que é encerrado por uma linha vertical com quatro pontos há as respectivas figuras de um “rei”, de um “sol com sete pontos”, de uma “espiga de cereal”, de um “homem andando” e de um “bumerangue”. Numa escrita logográfica o que importa mais são os conceitos não o sons. O sons não são delimitados dentro de regras estritas como no sistema fonético silábico de Linear B. Então poderia este trecho ser traduzido como: “o rei divino ao campo foi para caçar”. A característica da escrita logográfica é a de que não se precisa conhecer a língua em que se foi escrito tal texto, basta apenas saber os significados dos sinais. Muitos hieróglifos egípcios somente eram utilizados dessa forma e caberia a prática de um escriba ou de um conhecedor desta escrita para saber discernir com quais tipos de representações estava lidando.
No Disco de Festo alguns sinais se relacionam aos modelos de sinais egípcios, no entanto há uma quantidade razoável de sinais que se assemelham por demais aos objetos, animais e partes do corpo que são representados na escrita alfabética semítica (ver anexo VIII). Não há porém a possibilidade de se considerar este sistema de escrita como estritamente alfabética, pois existem ao todo 45 sinais utilizados no disco, sendo que a escrita alfabética necessita de muito menos (ver anexo VIII e IX). Então a escrita hieroglífica de Festo pode ser também abordada como um conjunto misto de escrita, da mesma forma que a escrita hieroglífica egípcia. Além de sinais com valor fonético consonantal, próprio de uma escrita alfabética, haverá também outros sinais hipotéticos representando entre outros, sílabas, morfemas, idéias ou contextos.
A DECODIFICAÇÃO
A escrita alfabética semítica é consonantal, isto é, não se utiliza das vogais, as quais foram historicamente introduzidas pelos povos gregos. A escrita semítica é muito diferente de uma verdadeira escrita silábica, como a Linear B, na qual a vogal de uma sílaba é tão relevante quanto a consoante para determinar qual grafe será usado para escrever a sílaba. Quanto às letras semíticas que se assemelham a vogais, como o Alep por exemplo, são percebidas pelos falantes das línguas semitas como que se iniciando como uma oclusiva glotal, que não é pronunciada como as vogais latinas. As palavras das línguas semíticas começam por isso com sons consonantais.
“O que ainda não foi explicado é a ordenação das letras do alfabeto semítico. Ela foi fixada desde o início, e – depois de certas perdas de letras e da adição de outras – constitui a ordem de nosso alfabeto latino de hoje; mas não podemos nela detectar nenhuma lógica fonética, não existindo teorias que expliquem como foi originalmente estabelecida.”[7]
Como já foi dito, as letras do alfabeto semítico, hebraico em particular, possui letras nomeadas com o nome de animais, objetos e partes do corpo humano. A esta particularidade é dado o nome de acrofonia (ver anexo VIII e IX). Se uma comparação mais rígida for feita entre a representação real da acrofonia destes sinais alfabéticos semíticos com as figuras simbólicas do Disco de Festo quase que na sua totalidade ambos os sinais encontrarão o seu equivalente. Através dessa analogia poderemos então na melhor das hipóteses encontrar também o seu valor fonográfico.
A letra Alep – boi – pode encontrar o seu equivalente fonográfico no símbolo “sol com sete pontos”. No imaginário semítico o número sete é um número sagrado, pois representa os setes únicos astros (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno) que se movimentam no céu independente da imobilidade das outras centenas de astros e por isso considerados divinos. Al é a palavra semítica que significa força e poder relacionados ao que é sagrado e que chegou aos nosso dias no nome do Deus muçulmano Alah. O que é sagrado tem em si Al. Então o “sol com sete pontos” porta o valor sonoro Al. A alteração para a “cabeça de boi” se dá pelo fato de que o boi era considerado nos primórdios das civilizações asiáticas como aquele que representava o deus da tempestade ou o deus do sol, que eram os maiores deuses do panteão semítico-hamítico. Podemos lembrar do touro Ápis, que representava o deus egípcio Osíris e de Zeus metamorfoseado em touro branco ao raptar Europa. Na escrita egípcia, o “sol” também é usado para representar o deus todo-poderoso Rá.
A letra Bet – casa – encontra seu equivalente na figura da “cabana” (ver anexo IX, col. V). Na escrita egípcia um símbolo muito parecido é utilizado para representar a grafe het – casa – para a letra H. (ver anexo VI).
A letra Ghimel – camelo – encontra seu equivalente na figura do “bumerangue”. Já foi provado pela arqueologia que o camelo é um animal muito tardio na história egípcia e semítica, por isso deve haver um outro significado para essa figura que pode ser “quadrado” ou “ângulo”.
A letra Dalet – porta – encontra seu equivalente na figura do “ramo de folhas”. Embora tenha sido alterada a figura para o nome dalet, este pode muito bem ter sido o nome dalit para significar “ramo” como é falado em hebraico.
A letra He – armação de janela – pode encontrar seu equivalente na figura “homem andando com braços abertos”. Na escrita proto-sinaítica conseguiram isolar esta mesma figura como sendo o som de “h”.
A letra Wau – gancho – pode encontrar seu equivalente na figura “forquilha com espinhos”.
A letra Zain – arma – pode encontrar seu equivalente na figura “machadinha”. (ver anexo IX, col. IV).
A letra Het – cerca – pode encontrar seu equivalente na figura semelhante a uma “armação de costela”.
A letra Tet – fardo – pode encontrar seu equivalente na figura semelhante a um “escaravelho”.
A letra Jod – mão – pode encontrar seu equivalente na figura semelhante a uma “mão com dedos fechados”.
A letra Kap – palma – pode encontrar seu equivalente na figura “palma da mão aberta”. No entanto no decorrer da explanação haverá uma pequena modificação quanto ao seu valor fonográfico.
A letra Lamed – aguilhão – pode encontrar seu equivalente na figura “agulha torta”. Uma possível interpretação para a palavra lamed poderia ser também “cajado”.
A letra Mem – água – pode encontrar seu equivalente na figura “corrente d’água”. Na escrita egípcia há um símbolo bem semelhante em forma de riscos raiados (ver anexo VII).
A letra Nun – peixe – pode encontrar seu equivalente na figura “peixe”. No entanto é possível perceber a figura de um golfinho em vez da de um peixe. Porém na língua egípcia a palavra “golfinho” se pronuncia nahiru, também iniciado com a letra “n”. Há um símbolo egípcio que possui valor fonético equivalente (ver anexo VII).
A letra Samek – estaca – pode encontrar seu equivalente na figura “cetro com ponta quadrada”, mas que também se assemelha muito a uma estaca. Esse símbolo também possui seu equivalente na escrita egípcia (ver anexo VII).
A letra Ayin – olho – pode encontrar seu equivalente na figura “folha grande” que também não foge à semelhança de um olho.
A letra Pe – boca – pode encontrar seu equivalente numa figura muito semelhante a um barco na vertical. É possível perceber neste desenho o formato de uma boca, um dente incisivo e um língua se projetando para fora. Então este símbolo será reconhecido também como “boca”.
A letra Sade – anzol – pode encontrar seu equivalente na figura muito semelhante a um “ipsilon”.
A letra Qop – macaco – pode encontrar seu equivalente na figura do “abanador”. Ao comparar-se o formato do “q” atual e da figura “abanador”, pode-se perceber ainda uma grande semelhança. Compare com o sinal para o valor fonético “kh” na escrita egípcia (ver anexo VI).
A letra Res – cabeça – pode encontrar seu equivalente na figura “cabeça de cachorro”. Há no Disco de Festo pelo menos mais dois símbolos em forma de cabeça, porém eles aparecem em situações que não suprem o valor do som “r”. Isto será explicado mais a frente.
A letra Shin – dente – pode encontrar seu equivalente na figura “dente com raiz”.
A letra Tau – marca – pode encontrar seu equivalente na figura “pedra pontuda”. Na escrita egípcia a letra “t” também é representada por um símbolo semelhante (ver anexo VI).
DECIFRAÇÃO
Se os sinais de Festo portarem mesmo tais valores fonográficos, o que resta então é saber como os grupos de sinais no Disco de Festo são lidos, isto é, a partir de qual direção se deve iniciar a leitura e a apreensão da semântica textual. A possibilidade do texto escapar do curso em espiral, dependendo de uma regra de leitura, me parece ser muito pequena. Então tanto começando pela periferia como a partir do centro do disco só há uma direção a seguir, a espiral.
No Disco de Festo, pode se perceber que na periferia do mesmo e em ambos os lados a seqüência do texto é limitada por uma linha vertical com cinco e quatro pontos e o grupo do centro não possui nenhum sinal que os caracterize como ponto de partida para a leitura. Esta seria a percepção mais óbvia, mas há a necessidade de se levar em conta também outros fatores.
Para poder saber em qual direção iniciar a decifração e a leitura é necessário saber como a respectiva língua age na dinamização das palavras. A lingüística divide as palavras em segmentos fônicos menores que possuem a capacidade de manter e portar um significado. Tais segmentos são chamados de morfemas. Os morfemas podem ser classificados em: a) morfemas gramaticais ou gramemas, que pertencem a um inventário limitado e fechado; b) morfemas lexicais ou lexemas, que pertencem a um inventário ilimitado e aberto. Ex: Nas palavras cidades, cidadania, cidadão podemos segmentar o termo cidad- como sendo o lexema, o menor segmento que mantém a base essencial da palavra; e podemos segmentar /s/, /ania/ e /ão/ como sendo os gramemas, que irão flexionar o lexema para lhe dar o sentido desejado dentro de uma frase.
É possível então analisando ambos os lados do disco perceber que há um sinal que se repete muitas vezes numa determinada direção dos grupos, mas nunca em outra direção. Este sinal é a figura semelhante a um “soldado”. O “soldado” aparece quatorze vezes no lado A e cinco vezes no lado B. As palavras semíticas caracterizam-se por possuir muitas palavras com tonalidades finais. A função então do “soldado” seria a de dar essa tonalidade. Nos hieróglifos egípcios há também um símbolo similar para representar o som “hr” (ver anexo VII). O “soldado” teria então o mesmo valor fonográfico. Pois se a posição desse fonema está no final das palavras do disco, então a leitura é feita do centro para a periferia. O que a linha vertical pontuada delimita, não é o início do texto, mas sim o final. Resta saber então se o texto A é continuação do texto B ou vice-versa.
Partindo dessa suposição, fica possível combinar os valores fonográficos dos símbolos do disco. A relação dos símbolos de valor alfabético somente cobre a metade dos símbolos existentes no disco, porém a probabilidade de conseguir traduzir um grupo de palavras existe e é o que se tentará a seguir.
Analisando primeiramente o lado B do disco se nota com facilidade que há um conjunto de símbolos similares que se repetem três vezes. O primeiro grupo é também o primeiro grupo do centro e é representado pelos símbolos “abanador” e “corrente d’água”; o segundo grupo é o sétimo a partir do centro e é representado pelos símbolos “abanador”, “corrente d’água” e “pedra pontuda”; o terceiro grupo é o décimo primeiro a partir do centro e é representado pelos símbolos “abanador”, “corrente d’água” e “cabeça de cachorro”. Transpondo-os para os valores sonoros alfabéticos temo qm, qmt, qmr. Então o lexema destas palavras é qm. A raiz qm se assemelha muito em hebraico à raiz do verbo qmt, que significa “tomar, pegar, apossar-se”. Pois se realmente estes grupos formarem verbos, então provavelmente o Disco de Festo não é um calendário e nem uma relação de objetos e mercadorias.
Decifrando o segundo grupo de símbolos no lado B do disco torna-se mais possível compreender do que o texto está falando. Os quatro símbolos do segundo grupo também estão associados ao alfabeto semítico. Tais símbolos são “boca”, “cetro com ponta quadrada”, “escaravelho” e “cabeça de cachorro”. Transpondo-os temos pstr. Neste caso o que poderá explicar essa raiz talvez seja a toponímia, isto é, o nome próprio das cidades e dos pontos geográficos. A raiz pst é a mesma que forma o nome da cidade de Festo, também conhecida por Pesto – pst –, pois em semítico não há o som de “f”. Isto significa que Festo já possuía tal nome antes da invasão dos povos gregos e talvez até mesmo dos povos asiânicos.
Temos então o verbo “tomar, pegar, apossar-se” antecedendo o nome próprio de “Festo”. A frase formada pode dizer “tomaram Festo” ou “Festo tomou”. A seqüência das decifrações poderá solucionar essa questão.
O terceiro e o quarto grupo permanecem obscuros para mim. O mais óbvio seria tratar do quinto grupo, mas devido a uma sequência de lógica se torna mais prático dar um salto para melhor garantir a eficiência deste método de decifração e tradução. O próximo grupo a ser analisado é o décimo terceiro. Temos neste grupo a associação de uma “palma da mão aberta”, “pedra pontuda”, “forquilha com espinhos” e “cabeça de cachorro”. Transpondo, temos ktvr. Outro vez apelo para a toponímia, pois como já foi dito, a escrita de Festo não é totalmente alfabética. O símbolo “palma da mão aberta” também pode ter não só o valor fonográfico de “k”, mas outrossim de kap, que em hebraico significa exatamente “palma da mão”. Formamos então a palavra kaptvr. Kaptur ou Kaftor é o nome próprio da ilha de Creta. O texto outra vez está citando a sua própria região. Agora voltando ao ponto seqüencial dos grupos, temos o quinto e o décimo grupo, que apresentam as mesmas similaridades de sinais fonográficos apresentados. Em ambos podemos relacionar os símbolos “palma da mão”, “pedra pontuda”, “forquilha com espinhos”, “cabeça de cachorro” e “dente”. Temos na transposição ktvr(sh), que podemos ler como kaptursh. Com o acréscimo desse morfema gramatical talvez haja semanticamente a representação dos povos kaftoritas ou cretenses. Não é possível por enquanto saber se kaftursh sejam realmente os habitantes de Creta ou os povos de outras ilhas ou até mesmo do continente. Em torno de 1500 a 1400 a.C. durante o período de invasão dos “povos do mar” o faraó Tutmósis III deixou registrado nas paredes e colunas do templo de Karnac um texto que aludia sobre a invasão de diversos povos navegantes e piratas. E entre eles é possível encontrar o nome dos povos mísios, lídios, lícios, sardos, aqueus, palestinos e um até agora misterioso, os turshia ou turscia. Eliminando os palestino semitas e os aqueus indo-europeus, temos quatro povos (mísios, lídios, lícios, sardos) que podem ser classificados como asiânicos. Há porém um povo habitante do sul da Grecia, mais especificamente no Poloponeso e da qual já falamos, que podem ser relacionados a estes povos turshia. Estes povos são os tirsenos, que estão associados segundo Heródoto aos tirrenos (etruscos), também denominados como tursci. Então se os antepassados dos tirsenos foram os responsáveis pela invasão e tomada de Creta, kaftursh então seria uma denominação dada aos povos das regiões balcânicas colonizadas pelos povos cretenses semitas.
No sétimo grupo temos novamente a raiz qm que já foi analisada, mas talvez o nono grupo tenha uma relação sintática com este sinal. O nono grupo é formado pelos símbolos “boca”, “cetro com ponta quadrada”, “escaravelho” e um “odre”. Os três primeiros símbolos formam a raiz pst, que já foi analisada como pertencente ao nome próprio da cidade de Festo. Este último símbolo seria então o gramema da palavra. Tal símbolo a que denominei propositadamente de “odre” pode estar relacionado ao morfema gramatical /in/ utilizado nas línguas semitas para indicar plural. In em hebraico designa a palavra vinho, tal como vino em latim e enos em grego. Percebe-se que possuem ambas as palavras, derivações de uma mesma raiz. A raiz pst associada ao gramema in, forma então a palavra pstin, que significaria “os povos de Festo”. Talvez seja um pouco perigoso utilizar-se da lingüística sem o conhecimento devido, mas não posso deixar de relacionar esses pstin aos povos palestinos a quem a tradição hebraica relaciona aos antigos povos de Creta. A invasão poderia ter provocado uma dispersão desses povos para as regiões costeiras da Ásia. Não é por coincidência que estes mesmos símbolos foram encontradas na região fenícia de Biblos.
No vigésimo sétimo quadro encontramos um grupo com os símbolos “odre”, “boca” e “dente”. Temos na transposição a palavra np(sh). A palavra npsh faz ressonância com apalavra hebraica npsh, que significa “fôlego, vontade, alma, desejo, cadáver”.
No lado A do Disco de Festo encontrei pouquíssimos quadros possíveis de conseguir uma boa transposição, no entanto alguns quadros se mostraram com uma lógica razoável. Da mesma forma a tentativa de se decifrar o disco partiu do centro para a periferia.
No vigésimo sétimo quadro há a associação dos símbolos “peixe”, “mão com dedos fechados”, “homem em pé”, “sol com sete pontos” e “soldado”. Esta é para mim o quadro mais duvidoso e incerto, porém é uma tentativa. Como o símbolo “palma da mão aberta” tem o valor fonográfico de kap, então um outro símbolo deve portar o valor fonográfico da letra “k”. Na transposição temos nj(k?)(a)(hr), que pode estar relacionado com a palavra hebraica nkr, que significa “estrangeiro”.
No vigésimo oitavo quadro aparecem os símbolos “escaravelho”, “cabeça de cachorro” e “cabeça de cachorro”. Transpondo, temos trr. Não encontrei associação a nenhuma palavra em hebraico, embora possa haver. No entanto, nas duas vezes em que encontrei nome próprios impessoais, havia uma terminação em r: kaptvr (Kaftor) e pstr (Festo). Se a mesma regra for seguida é possível relacionar essa palavra ao nome da ilha de Tera, que fica ao norte de Creta e que já foi um grande ponto comercial.
No vigésimo nono quadro encontramos a já comentada palavra qmr que possui a raiz qm relacionada aos verbos “tomar, apropriar-se”.
No trigésimo quadro encontramos os símbolos “sol com sete pontos”, “mão com dedos fechados” e “cabana”. Temos na transposição a palavra (a)jb, que encontra relação com a palavra hebraica (a)jb e que significa “inimigo, adversário”.
Numa tentativa de conseguir formar uma sintaxe coerente podemos na melhor das hipóteses traduzir essa sequência de símbolos como: “...estrangeiros tomaram Tera...” ou “... Tera foi tomada por inimigos...”.
Os demais símbolos ainda são um mistério a ser resolvido e como uma língua não permanece inalterada na história de um povo, principalmente tratando-se de uma civilização que viveu há 3.700 anos atrás, então é por demais necessário o auxílio de um especialista em línguas semíticas antigas para o término, resolução e tradução do texto contido no Disco de Festo.
CONCLUSÃO
Há alguns poucos anos atrás, símbolos alfabéticos foram descobertos gravados em uma pedra no Egito, na qual foram datadas em torno de 1.500 a.C. Assim, mais uma vez a idéia de atribuir a invenção e criação do alfabeto aos povos fenícios foi desestimulada.
Não é pretendido neste texto ditar a área geográfica nem o povo responsável pela criação do sistema de escrita puramente alfabético, pois é claramente provável que este tenha sido uma construção gradativa a partir de sistemas de escritas anteriores e mais antigos. Saber no entanto em quais áreas culturais foi se estruturando o sistema alfabético utilizado pelos povos fenícios e gregos, tal como o que conhecemos atualmente é tão importante quanto conhecer os passos que foram precisos trilhar para se conseguir montar este sistema de escrita.
A decodificação dos símbolos de Festo, talvez seja uma pretensão amadorística. Mais cedo ou mais tarde talvez seja reconhecida como uma tentativa inútil. No entanto esta foi minha tentativa, uma tentativa que para mim foi suficientemente satisfatória.
Notas
[1] Heródoto. História; I, 171; I, 173; I, 94.
[2] Heródoto. História; I, 57.
[3] Ovídio. As Metamorfoses. Livro II.
[4] Deuteronômio. 2; 23.
[5] Gênesis. 10; 13-14.
[6] Heródoto. História. I, 173.
[7] JENSEN, 1970, P.282.
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O Disco de Festo – Lado A
O Disco de Festo – Lado B