DESAFIOS DA PÓS-MODERNIDADE
PARA A FORMAÇÃO DE COMUNIDADES ESCLESIAS TERAPÊUTICAS
ITAMAR ELÓI SCHLENDER
PROFESSOR DA ULBRA
Em seu livro “Aconselhamento Pastoral”, Howard J. Clinebell, conta que numa perigosa costa marítima havia um pequeno posto de salvamento. Os membros deste posto eram poucos, mas muito dedicados. Muitas vidas foram salvas por eles. Com o tempo o posto foi crescendo e se sofisticando, mas a vontade de sair ao mar para salvar pessoas arrefeceu. Um dia aconteceu um grande naufrágio e muitas pessoas foram salvas, mas o posto ficou todo sujo. Por causa disso, alguns membros propuseram o encerramento das atividades de salvamento, enquanto que outros argumentaram que se tratava de um posto de salvamento e, portanto, esta deveria continuar sendo sua atividade principal. Como não houve acordo, parte do grupo abriu um novo posto mais abaixo naquela mesma encosta. Com o passar dos anos o novo posto de salvamento passou pelas mesmas transformações, tanto que hoje em dia encontram-se vários clubes exclusivos ao longo daquela praia. Pessoas continuam naufragando, mas não há quem as salve.
Agora pense nas igrejas. Será que algumas denominações cristãs, por sinal muito bem estruturadas, não estão correndo sério risco de se tornarem irrelevantes para um grande contingente de pessoas na pós-modernidade, principalmente no que diz respeito ao atendimento a necessidades em situações cruciais de sofrimento pessoal? Temos a impressão que este risco é real.
Com esta suspeita em mente, fazemos no primeiro capítulo uma descrição do que se entende por pós-modernidade. No segundo, partimos para uma reflexão sobre uma das dimensões da igreja cristã: a de ser terapêutica. No último, descrevemos alguns dos muitos recursos que a igreja possui e que pode usar para auxiliar as pessoas, principalmente em situações de crise pessoal.
I - PÓS-MODERNIDADE - Surgimento de uma nova Era?
As transformações sociais que ocorrem nas sociedades e nas culturas “se dão através de um continuum progressivo”.[1] Por esta razão é difícil afirmar se o que denominamos atualmente de pós-modernidade realmente existe como momento histórico e cultural ou se é apenas uma criação intelectual ou, ainda, algo como “era moderna tardia”. É que acontece no desenvolvimento da sociedade humana algo parecido com o que ocorre com o movimento das placas tectônicas que compõe a superfície terrestre, que alternam momentos de aparente estabilidade e movimentos bruscos. Utilizando esta metáfora, pode-se dizer que:
A Idade Média foi “estável” durante longos anos, ocorreu um “terremoto” durante algumas gerações e se estabeleceu, então, a Idade Moderna. Hoje, possivelmente, estamos vivendo um novo “terremoto” – a condição pós-moderna – um período de transição entre a Modernidade e o que a irá suceder.[2].
1.1 - Da Modernidade à Pós-modernidade
A Idade Média caracterizou-se pela estrutura feudal e visão de mundo teológica. O desenvolvimento do comércio via grandes navegações, desenvolvimento das cidades, o avanço do conhecimento científico sobre a interpretação teológica do mundo, a invenção da imprensa, a Reforma e a Contra-Reforma, fizeram com que um sem número de fatores sociais, econômicos e culturais se modificassem, dando origem a Modernidade.[3]
Os quatro pilares da Modernidade foram: fé na razão, fé no progresso tecnológico, fé na ciência como substituta da religião na condução dos destinos humanos e fé no homem autônomo e auto-suficiente[4].
Esta visão otimista sobre o ser humano, e os progressos que faria baseado na razão e conhecimento, começou a ser questionada diante de uma realidade mundial que aponta muito mais para uma falência da civilização atual do que para o surgimento de uma nova civilização. Vivenciamos hoje uma espécie de desencanto, ”já não há mais a crença de que, diariamente, de todos os modos, estamos melhorando cada vez mais”.[5] O otimismo dos tempos modernos vai sendo substituído por um pessimismo corrosivo.
Questiona-se até que ponto o Brasil já passou da modernidade para a pós-modernidade. José Outeiral é da opinião de que “a modernidade não se instalou efetivamente entre nós”.[6] Por isso não se poderia falar de um esgotamento da modernidade. Por outro lado, admite que a globalização cultural e econômica é uma realidade e, portanto, “a pós-modernidade poderá estar entre nós”.[7]
1.2 – Características marcantes do homem pós-moderno
Na aula inaugural do Curso de Especialização em Aconselhamento e Psicologia Pastoral, o professor Sidnei Noé refletiu sobre as seqüelas vivenciais que se criam na biografia do ser humano latino-americano pós-moderno.Segundo ele, isso ocorre devido a uma “queima de etapas” no desenvolvimento cultural, social, econômico e político.
As pessoas expostas a constantes mudanças são confrontadas com uma ambivalência que ameaça a sua integridade psíquica. A biografia se torna uma espécie de “montanha russa” porque a pessoa é arrancada do seu arraigamento sustentado por uma Lebenswelt estável, normativa, subentendida e que se auto-explica e é jogada num universo aberto, onde há uma pluralidade de opções. Isso gera insegurança quanto aos valores, incertezas quanto ao futuro, desilusão em relação aos projetos de vida e desconfiança em relação às utopias. Estes vazios existenciais muitas vezes são verdadeiras fontes geradoras de quadros depressivos[8].
O número de pessoas submetidas a esta queima de etapas vem crescendo devido ao fenômeno da mobilidade geográfica, social, relacional e política presentes nas sociedades latino-americanas. As conseqüências psicossociais são a constante busca pela felicidade privada e a frustração e preocupação causada pela perda das raízes.
Os mais dramáticos afirmam que na pós-modernidade as pessoas pensam e atuam de maneira tal que somos levados a concluir que “estão todos loucos”.[9] Isto porque o ser humano pós-moderno é alguém que não consegue mais viver sem as máquinas por ele inventadas e não distingue mais os limites entre si e a máquina; sofre do vício da vertigem, tudo deve ser rápido e por conseqüência não pode estar parado, está sempre em “lugar nenhum” e “de passagem”. Submetido a um bombardeio constante de informações através dos meios de comunicação, vem perdendo sua capacidade de reflexão, tornando-se superficial e sem espírito crítico.É utilitarista, ou seja, o que não serve é descartado, seja algo material ou mesmo um ser humano. É alguém que abandonou suas ideologias para mergulhar fundo no hedonismo e consumismo para dar sentido a vida.[10]
As características acima enunciadas apontam para a complexidade da tarefa da igreja que pretende ser comunidade terapêutica dentro deste novo contexto.
1.3 – Desafios da pós-modernidade à igreja evangélica
A influência da modernidade sobre os evangélicos foi muito forte. Eles “sempre utilizaram os instrumentos da modernidade, tais como o método científico, a abordagem empírica da realidade e o realismo do senso comum”.[11] Valdir R. Steuernagel chama atenção para o fato de que “as instituições protestantes significativas dos últimos 150 anos são produto da modernidade”[12].
A pós-modernidade questiona nosso jeito de pensar e de querer ser igreja hoje. Não mais aceita instituições rígidas, hierárquicas e centralizadas, que não respondam às necessidades das pessoas. Abre espaço “tanto para o novo quanto para o caos, para o alternativo e para o individualismo”.[13] Portanto, torna-se necessário repensar questões como as que seguem.
A expressão do evangelho cristão precisa ser de caráter pós-individualista, ou seja, a igreja precisa valorizar o “indivíduo-no-interior-da-comunidade”.[14] Precisa ser pós-racionalista: dar espaço para o “mistério”, que é o encontro pessoal com Deus através de Cristo e não apenas empregar uma lista de proposições teológicas com as quais os outros devem concordar. Precisa ser pós-dualista: na sua fala e ação contemplar o ser humano em sua inteireza.
II - COMUNIDADE ECLESIAL TERAPÊUTICA –uma dimensão negligenciada
Um dos grandes desafios para a igreja no contexto da pós- modernidade é ser comunidade terapêutica. Cabe, porém, ressaltar que o próprio viver em comunidade é algo não valorizado hodiernamente. Mesmo que seja verdade que as igrejas históricas “têm como uma de suas metas básicas a construção de comunidade” [15], ocorreu uma mudança de paradigma que vem minando o viver a fé em comunidade.
2.1 – A igreja como comunidade terapêutica
A igreja pode ser uma comunidade terapêutica? Para James R. Farris, a expressão comunidade terapêutica não é uma categoria profissional ou definitiva. “A Igreja é mais do que uma comunidade terapêutica”.[16] Sua missão no mundo vai além da promoção de cura. Uma parte, a cura, não pode substituir o todo, a missão.
Na prática, a igreja manifesta-se como comunidade terapêutica à medida que “aconselha acolhendo”[17]; promove relações significativas de atenção afeto e complementaridade; incentiva a busca comunitária por vida, principalmente em momentos cruciais da existência[18].
2.2 – Entraves para um agir terapêutico
A pergunta que se impõe é: o que nos impede de agir mais terapeuticamente? Penso ser importante nos ocuparmos na busca de respostas para esta questão. Será que precisamos repensar nosso jeito de ser igreja no contexto da pós-modernidade?
2.2.1 – Paradigmas e jeito de ser igreja
No nosso entender, o resgate da dimensão terapêutica nas igrejas históricas não se dará através da simples criação de alguns programas novos ou diferentes. A questão é mais profunda. É preciso examinar cuidadosamente os paradigmas, os padrões de pensamento que influenciam o jeito de ser de cada uma das denominações cristãs existentes e de cada cristão em particular. Paradigmas falsos, ideológicos, não podem produzir uma igreja saudável e, conseqüentemente, uma comunidade terapêutica. Talvez necessitamos desaprender algumas coisas e aprender outras tantas sobre igreja.
Segundo Christian A.Schwarz, “a natureza da igreja é composta por dois elementos: um pólo dinâmico (organismo) e um pólo estático (organização)”.[19] Os dois pólos são necessários para o desenvolvimento sadio da igreja. Há no Novo Testamento versículos que descrevem esta bipolaridade, sendo que em alguns até une os dois aspectos como, por exemplo, na expressão “pedras vivas” em 1 Pe 2.4-8.
Organismo e organização na igreja devem estar inter-relacionados, sendo que o desenvolvimento da igreja como organismo leva à criação de instituições e as instituições, por sua vez, estimulam o desenvolvimento da igreja como organismo.[20] Em igrejas saudáveis (potencialmente terapêuticas) há uma inter-relação harmoniosa, já em outras a relação entre os pólos estático e dinâmico está desequilibrada. Este desequilíbrio leva em direção a um subjetivismo dualista anti-institucional (paradigma da espiritualização) ou em direção a “um objetivismo monista, que deduz, a partir da simples existência de certas instituições, que o corpo de Cristo é uma realidade numa determinada situação”[21] (paradigma tecnocrático).
Um desenvolvimento sadio da igreja só acontecerá na medida em que resgatarmos a “distinção e inter-relação entre igreja como ‘organização’ e a igreja como ‘organismo’”[22], ou seja, o paradigma bipolar. Isso significa o abandono do modelo tecnocrático que pretende o crescimento da igreja via supervalorização de instituições, programas e métodos; significa o abandono do modelo da espiritualização com seu menosprezo por instituições, programas e métodos, para assumir o que Schwarz chama de “desenvolvimento natural da igreja”.[23]
(...)O desenvolvimento natural se coloca contra o procedimento pragmático e a-teológico (o fim justifica os meios), e o substitui pelo procedimento orientado de acordo com princípios.(...) O ponto de partida não é quantidade (“Como vamos levar mais pessoas para o nosso culto?”), mas considera a qualidade da vida da igreja como chave estratégica para o desenvolvimento desta. (...) O desenvolvimento natural não quer produzir, mas, sim liberar os processos automáticos de crescimento com que Deus mesmo constrói a sua igreja.[24]
Vejamos, agora, como a busca desta qualidade de vida da igreja pode contribuir para a formação de comunidades eclesiais terapêuticas.
2.2.2 – Qualidade da igreja para “ser terapêutica”
O Instituto para o Desenvolvimento da Igreja, localizado na Alemanha, realizou uma pesquisa em mais de mil igrejas espalhadas ao redor do mundo em 32 países e constatou que existem oito marcas de qualidade que, quando presentes na igreja em certo grau, promovem o crescimento da igreja e, certamente, contribuem para a formação de comunidades terapêuticas.
“O termo ‘marca de qualidade’ descreve aqueles princípios que são válidos para todos os tipos de igrejas,em qualquer situação”.[25] A ênfase não está no número oito, e sim, nos conteúdos que estas palavras abrangem. As oito marcas são: Liderança capacitadora, Ministérios orientados pelos dons, Espiritualidade contagiante, Estruturas funcionais, Culto inspirador, Grupos familiares, Evangelização orientada para as necessidades e Relacionamentos marcados pelo amor fraternal. Os adjetivos expressam a qualidade que é preciso desenvolver em cada marca.
O quanto a presença ou ausência destas marcas de qualidade afeta a dimensão terapêutica da comunidade cristã pode ser constatada, refletindo, por exemplo, a partir da marca de qualidade “estruturas funcionais”.
Para Wolgang Simson, a grande maioria das igrejas da atualidade, possuem estruturas não funcionais, isto é, estruturas que impedem o desenvolvimento natural da igreja. Para que esta funcionalidade exista é necessário, entre outras coisas, voltar a viver o cristianismo como estilo de vida e não como sucessão de eventos religiosos; voltar a ser igreja nas casas; criar comunidades com no máximo 20 pessoas, para proporcionar espaço para comunhão; passar do sistema de um pastor único para a estrutura de equipe.[26]
III - O USO DE RITOS RELIGIOSOS COMO RECURSOS TERAPÊUTICOS
Num artigo da Revista Igreja Luterana, intitulado Liturgia e cura d’almas, Ely Prieto chama atenção para uma mudança que vem ocorrendo nas igrejas evangélicas no que diz respeito à forma de promover a cura d’almas, entendido como ministério de apoio e amparo amplo e que inclui várias atividades. Para ele, no passado utilizava-se muito mais uma ação sacerdotal, litúrgica e corporativa, enquanto que hoje impera uma ação mais individualista, psicologicamente orientada e grandemente influenciada por terapias de auto-ajuda e sucesso pessoal. Julga que está ocorrendo uma crise na área da cura d’almas, por não se investir no culto e sua função de cura animarum e transformar o aconselhamento, um tipo específico de cura d’almas, em meio ordinário.[27]
A pergunta que se impõe é: no que a igreja na pós-modernidade deverá investir mais? No aconselhamento, que se caracteriza por uma atenção mais individualizada, ou nas celebrações e ofícios, que geralmente contemplam a comunidade como um todo? Provavelmente, o caminho mais indicado não seja “isto ou aquilo”, e sim, que ambos os aspectos devem ser contemplados por uma comunidade cristã que pretenda ser terapêutica.
Quanto ao uso da Santa Ceia como um recurso terapêutico, Martinho Lutero já percebeu nela “medicina inteiramente salutar e consoladora, que te ajuda e te dá a vida, tanto na alma quanto no corpo”.[28] Lutero refere-se aí não a administração da Ceia a pessoas enfermas ou moribundas, e sim, a participação da mesma em culto público.
Sendo a Santa Ceia importante para todos os cristãos em qualquer situação, é inegável que ela se reveste de importância fundamental para aqueles que se encontram em situação de sofrimento, principalmente para pessoas enfermas:
(...) a comunhão entre as pessoas através da Eucaristia revela consideravelmente a solidariedade, o apoio nos momentos de sofrimento, a motivação para a superação das dificuldades e dos limites, força geradora de resistência e capacidade para suportar uma doença fatal. Assim, no momento em que a pessoa se sente fragilizada e vulnerável, a comunhão com outras pessoas, mediada pela doação de Deus em Cristo e preservada pela ação do Espírito Santo, torna-se fundamentalmente terapêutica, curativa.[29]
A ressalva quanto ao uso da Santa Ceia como recurso terapêutico junto a pessoas enfermas, está em muitas das comunidades cristãs associarem o ministrar a Ceia a pessoas enfermas como uma espécie de extrema-unção. É necessário quebrar esta associação.
Este rito era amplamente utilizado nos primeiros tempos do cristianismo e até o século VI acentuava-se o poder terapêutico do mesmo. “Mas a partir de então deu-se ênfase ao aspecto da remissão dos pecados, excluindo mais e mais o aspecto da cura”[30], ligando-se a bênção dos enfermos a penitência ad mortem. O Concílio de Trento (1545-1563) continuou a considerar este rito como último perdão a ser concedido as pessoas moribundas. E somente no Concílio Vaticano II, através da Ordem da Unção dos Enfermos, ocorre um retorno a Tiago 5.14-16, isto é, à ênfase no aspecto da cura. Já o documento conciliar Lumen Gentium menciona os doentes e não só os moribundos como pessoas a quem se deveria oferecer este rito.[31]
Sobre a prática deste rito em terras brasileiras, Ingo Wulfhorst afirma:
Infelizmente nem a Igreja Católica nem a Igreja Evangélica do Brasil retomam a compreensão terapêutica da unção dos enfermos contida em Tiago 5 e Marcos 6.13 e nos documentos eclesiásticos até o século VI. Aqui abriu-se uma vazio que, ao meu ver, muitas vezes é preenchido por ritos da religiosidade afro-brasileira, pelo espiritismo kardecista, por superstição, curandeirismo, benzedura e magia.[32]
O rito do sepultamento caracteriza-se por englobar as três categorias encontradas nos ritos. A preparação do cadáver, os gestos de despedida, o fechamento do caixão e da sepultura e a ornamentação da sepultura são ritos preliminares ou de separação. O velório em si é um rito liminar ou de margem. Já as visitas posteriores à família enlutada, a comunicação do falecimento no culto, são ritos de agregação.[33]
Nestes tempos marcados pela impessoalidade, é fundamental que a igreja se faça presente na vida das pessoas no momento da morte. Na comunidade Luterana São Lucas de Horizontina, por exemplo, existe um grupo de pessoas que se coloca a disposição da família enlutada assim que fica sabendo do falecimento. Ele auxilia na contratação dos serviços funerários, no preparo do corpo,além disso ornamenta a igreja e serve lanches e refeições para os parentes mais próximos durante o velório. Esta presença tem sido importante para os enlutados, pois são a presença de irmãos na fé e não uma empresa funerária prestadora de serviços eficientes mas impessoais. Uma comunidade que quer ser terapêutica não pode deixar de se fazer presente numa hora tão difícil como esta.
Se por um lado o ritual do sepultamento é importante na medida em que “facilita ao indivíduo desprender-se do falecido”[34], por outro, ele pode transformar-se num instrumento para encobrir toda uma gama de problemas sociais que são fontes geradoras de morte. Por isso, no culto de corpo presente, faz-se necessário o anuncio da mensagem de Lei e Evangelho, pois:
Para ajudar de fato ao homem, o evangelho volta-se, no ritual, contra a aparência de salvação que o ritual promete e encena, e o pastor, como advogado da graça de Deus, se torna também advogado da realidade, da qual a fé não se esquiva.[35]
Que Deus fortaleça cada comunidade cristã para que se torne um espaço terapêutico e assim se concretize a recomendação do apóstolo Paulo: “Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6.2).
Conclusão
A igreja cristã possuiu recursos maravilhosos para amparar as pessoas na sua caminhada pela vida. Os recursos mencionados no capítulo três nem de longe contemplam toda a riqueza que existe. Por exemplo, não mencionamos o potencial terapêutico do culto, hinos, grupos familiares, grupos de trabalho.
Se por um lado ficou claro que a igreja cristã possui ampla gama de recursos terapêuticos, também aumentou a convicção de que a forma como a maioria das denominações cristãs atualmente está organizada não contribui para a formação de comunidades terapêuticas. Suas estruturas não funcionais atrapalham a convivência dos membros, algo fundamental para que possa ocorrer o que Lutero chamava de mutuum colloquium et consolatio fratrum (o diálogo mútuo e a consolação dos irmãos). O homem pós-moderno quer e precisa de espaços mais informais de convivência, onde se sinta acolhido e amado.
A tentativa de “leitura do tempo” feita neste trabalho denuncia nosso pouco conhecimento do que é chamado por alguns de “pós-modernidade”. A despeito disso, achamos que esse exercício valeu a pena, pois como escreveu um professor luterano já falecido: “precisamos fazer a leitura do tempo para que a igreja não se transforme num centro de tradições. Temos que conhecer o novo mundo que bate às portas. Cabe-nos penetrá-lo com a generosa compreensão que procura para os males e dores do seu tempo as soluções, as respostas, a cura e o autêntico consolo”. Que Deus nos oriente e estimule a batalhar por uma igreja relevante no contexto da pós-modernidade.
Notas
[1] José OUTEIRAL, Adolescência: modernidade e pós-modernidade, p. 9
[2] Ricardo GONDIM, Fim do milênio: Os perigos e desafios da pós-modernidade na igreja, p. 2
[3] José OUTEIRAL, op. cit, p. 2
[4] Ibid ibidem, p. 21
[5] Stanley J. GRENZ, Pós-Modernismo: Um guia para entender nosso tempo, p. 24
[6] José OUTEIRAL, op. cit, p. 10
[7] Ibid Ibidem, p. 10
[8] Sidnei V. NOÉ, Seqüelas vivenciais na biografia ..., p. 3
[9] Erni SEIBERT, Missão de Deus diante de um novo milênio, (org.), p. 57
[10] Ibid ibidem, p. 58 e 59
[11] Stanley J. GRENZ, op. cit, p. 235
[12] Valdir R. STEUERNAGEL, A IECLB rumo ao ano 2000, p. 87
[13] Ibid Ibidem, p. 87
[14] Stanley J. GRENZ, op. cit, p. 243
[15] Arno SCHEUNEMANN, Pequenos grupos: um caminho ..., Igreja Luterana, n., p. 180
[16] ABAC (Ed.), Fundamentos Teológicos do Aconselhamento, p. 52
[17] Arno SCHEUNEMANN, op. cit., p. 175
[18] ABAC (Ed.), op. cit., p. 28
[19] Cristian A. SCHWARZ, Mudança de Paradigma na Igreja, p. 16
[20] Id., ibid., p. 20
[21] Id., ibid., p. 22
[22] Id., ibid., p. 14
[23] Cristian A. SCHWARZ, O Desenvolvimento Natural da Igreja, p.12
[24] Id., ibid., p. 14
[25] Cristian A. SCHWARZ, Mudança de Paradigma na Igreja, p. 243
[26] Wolgang SIMSON, Casas que transformam o mundo, p. 10
[27] Ely PRIETO, Liturgia e cura d’almas, Revista Igreja Luterana junho 1997, p. 26-38
[28] Livro de Concórdia, p. 493
[29] Maurício HACKE, Uso de Ritos e Símbolos ..., p. 151
[30] Ingo WULFHORST, op. cit., p. 170
[31] Id., Ibid., p. 171 e 172
[32] Id., Ibid., p. 171
[33] Martin VOLKMANN, op. cit., p. 47
[34] Manfred JOSUTTIS, Prática do Evangelho entre Política e Religião, p. 204
[35] Id., ibid., p. 215
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