REVISTA ZONA DE IMPACTO. ISSN 1982-9108, VOL. 11, JAN-JUN, ANO XI, 2009.
UMA CONTRIBUIÇÃO À TEMÁTICA ESPAÇO, MOVIMENTO E TEMPO
Professor do Departamento de Geografia da Universidade de Rondônia.
herodoto@unir.br
Resumo: Este artigo pretende extrair do legado de Einstein duas analogias que têm muito a ver com a Geografia. A primeira analogia está ligada à substituição do espaço e do tempo absolutos, a segunda tem a ver com os desdobramentos da Relatividade Especial. Trata-se da Relatividade Geral cujo foco é o fenômeno da gravitação universal.
Palavras-chave: Geografia, Espaço, Movimento e Tempo.
Abstract: This article intends to extract of the legacy of Einstein two analogies that they have to do a lot with the Geography. The first analogy is linked to the substitution of the space and of the absolute time, Monday has to do with the unfoldings of the Special Relativity. It is the General Relativity whose focus is the phenomenon of the universal gravitation.
Key-words: Geography, Space, Movement and Time.
Neste ano de 2005 a Física comemora o chamado Anno Miraculis, uma alusão ao ano de 1905, quando um jovem de 26 anos, na época um modesto funcionário de um departamento de patentes em Berna, Suíça, chamado Albert Einstein, publicou ao longo desse ano uma série de cinco artigos que mudaram a Física e a nossa visão de mundo. Assim, comemora-se um século dessa revolução einsteiniana. Aproveitando o ensejo, pretendemos extrair do legado de Einstein duas analogias que têm muito a ver com a Geografia.
A primeira analogia está ligada à substituição do espaço e do tempo absolutos, herança da física newtoniana, pelo conceito de espaço-tempo, uma visão quadridimensional (três dimensões espaciais e uma temporal) da realidade. Visão que produz uma fusão entre tempo e espaço. Então, se o tempo e o espaço são a mesma coisa pode-se inferir que o tempo pode ser concebido como uma propriedade do espaço. Pois, considerando-se que a essência do tempo é o movimento, pode-se concluir que só é possível o movimento se houver espaço. Portanto, o tempo está a mercê do espaço: o espaço determina o tempo.
Dessa forma, de acordo com as densidades do espaço, tem-se tempos diferenciados. Ou seja, pontos espaciais densos produzem ondas gravitacionais que alteram o tempo. Como já se verificou, relógios próximos a fontes gravitacionais andam mais rápidos, mas se colocados distantes delas funcionam mais lentamente. Da mesma forma, densidades sócio-espaciais variadas produzem temporalidades sócio-espaciais diferentes. Assim, o tempo nas metrópolis é mais acelerado do que nas periferias. O tempo da Zona Franca de Manaus, por exemplo, é mais nervoso que o tempo amazônico em geral, e totalmente descompassado do tempo ribeirinho.
Então, por conta desse descompasso, tem-se diferentes temporalidades produzindo espacialidades diversas, heterogêneas paisagens, em função das ondas de difusão de inovações que vão se superpondo no espaço, exibindo texturas espaciais matizadas, complexas geografias caleidoscópicas. Enfim, os lugares possuem tempos específicos.
O ritmo dessa difusão nos remete à síndrome da globalização, à vitesse, tão decantada por Paul Virillio. Isto é, o culto à velocidade, o acelerado modus operandi com que as conseqüências da modernidade imprimem à civilização atual. Daí o chamado tempo real, que é o cerne da globalização, que possibilita transações praticamente instantâneas, dando ao capital a extraordinária mobilidade atual. A emergência do tempo real tem provocado a discussão da compressão do espaço, isto é, a anulação do espaço pelo tempo, significando para alguns, inclusive, o fim da geografia. Na verdade, a diferenciação espacial provocada pelas sucessivas ondas de difusão de inovações tem acentuado o matiz geográfico dos lugares. Ou seja, os lugares se particularizam cada vez mais apesar de uma aparente homogeneização.
Mas participar da globalização implica em vultosos investimentos em pesquisa científica e produção de tecnologia, e de tal monta que poucos países conseguem manter o ritmo. Então, o preço cobrado pela sintonia a esse ritmo provoca crescentes descompassos que se traduzem em exclusão daqueles que não conseguem atingir o grau exigido de modernização.
Por fim, a primeira analogia geográfica com a obra einsteiniana nos aponta para a constatação de que o espaço enquanto condição de possibilidade das coisas se aplica também ao próprio tempo. Isto é, até o tempo depende do espaço para acontecer.
A outra analogia tem a ver com os desdobramentos da Relatividade Especial. Trata-se da Relatividade Geral cujo foco é o fenômeno da gravitação universal. Einstein buscou adequar a gravitação às conseqüências da Relatividade Especial face ao limite imposto pela velocidade da luz. Nas equações da Relatividade Geral estava implícita a sua mais assustadora possibilidade em termos de comportamento do Universo. Tratava-se da expansão do Universo. No começo da década de trinta do século passado o astrônomo Eduwin Hubble constatou que as galáxias se afastavam a velocidades crescentes umas das outras. Nascia, então, a teoria da expansão do Universo a partir de um núcleo comum, mais tarde batizada de Big Bang.
Hoje, face aos avanços na área, especificamente a física quântica, esse núcleo comum teria a dimensão de uma partícula, algo em torno de dez elevado a menos quarenta e três. Ou seja, toda a imensidão do Universo com seus bilhões e bilhões de aglomerados de galáxias estava concentrada numa ínfima e invisível partícula. A partir dessa partícula o espaço teria se expandido (não necessariamente explodido). Desse espaço surgiram a matéria e a energia. Isto é, o espaço não é um vazio. Pelo contrário, o espaço é formado por uma refinada substância que é matriz das mais fundamentais partículas. E mais, todo o processo de expansão se dá através da dilatação do próprio espaço. As galáxias mantêm suas conformações dimensionais enquanto se distanciam entre si. Daí vem a inferência que nos interessa.
O espaço enquanto manancial de energia e matéria se nos apresenta como algo inerente a tudo que se possa imaginar. Quer dizer, nossa relação com o espaço é de modo intuitivo, não se trata de uma construção intelectual. Desse modo, não se pode estabelecer uma relação sujeito-objeto onde uma ponte teórica possa ser elaborada. O espaço é inerente tanto ao objeto quanto ao sujeito. Para a Geografia significa que, apesar de ter uma relevância fundamental, o espaço não pode ser o seu objeto de estudo. A aproximação da Geografia com o espaço é no sentido de examinar as moldagens que se pode fazer do mesmo.
Essas modelagens sócio-espacais podem ser examinadas pelo legado teórico-metodológico de Milton Santos expresso no esquema Processo, Função, Estrutura e Forma. Como se trata de configurações sócio-espaciais o processo em questão é sempre social, nunca espacial. Assim, são os processos sociais que interessam ao geógrafo, no sentido da alocação de funções no espaço que implicam em estruturas que se expressam em formas.
Então, as formas, as configurações espacias, que se manifestam enquanto paisagens, é que são o objeto de estudo da Geografia. É claro que tais paisagens funcionam como um complexo de próteses. É exatamente a problematização do acesso a essas próteses que o discurso geográfico procura dar conta.
Tal problematização se caracteriza pela discussão de algo que é inerente à natureza humana, qual seja, o processo de exossomia. Popper, ao examinar o processo de adaptação dos organismos vivos às condições ambientais do nosso planeta, a partir da teoria evolucionista de Darwin, chamou de endossomia à forma como os animais em geral se condicionaram às tais circunstâncias. Este processo implicava no desenvolvimento de órgãos do próprio corpo, tipo musculatura, pelagem, garras, etc. Os hominídeos, ao contrário, teriam seguido um rumo radicalmente diferente, que Popper chamou de exossomia. Este processo implicava na moldagem da natureza através da construção de instrumentos. Quer dizer, ao fazer coisas o homem se fez enquanto tal. E esse fazer é geográfico por excelência. O abrigo, o caminho, a fonte de água, os locais de coleta, de pesca e de caça formam uma geografia que atesta as configurações que o homem passou a dar à superfície terrestre.
E assim se pode examinar o encadeamento das diferentes civilizações que moldaram e continuam moldando o planeta à luz dos diferentes modos de produção que elas engendraram. Só que hoje esse processo parece ter chegado ao limite. Face aos impactos sócio-ambientais que o processo exossomático promove, o planeta e a própria humanidade caminham para um impasse de cunho ecológico. De um lado, a subversão dos ecossistemas naturais e da dinâmica climática, de outro, uma crescente exclusão social.
A provável catástrofe sócio-ecológica atesta o fato de uma sociedade que chancela a predação social. Se é legal depredar o outro através de relações de dominação juridicamente instituídas, também é normal depredar o meio-ambiente. Assim, só é possível resolver-se a problemática ambiental resolvendo-se a predação social. Em suma, é nas relações sociais atuais que está a chave para se resolver o impasse ecológico.
TEXTOS PARA CONSULTA:
CALDER, Nigel. O Universo de Einstein. Brasília: Ed. UnB, 1988.
EINSTEIN, Albert & INFELD, Leopold. A Evolução da Física. São Paulo: Cia. Ed. Nacional.
SANTOS, Milton. Espaço & Método. São Paulo: Nobel, 1984.